segunda-feira, 16 de abril de 2018

Os adolescentes multifunções, por Eduardo Sá

Texto de Eduardo Sá, publicado no seu blogue.

Photo by Erik Lucatero on Unsplash

Os adolescentes multifunções


Aliás, nada lhes resiste.

Eu acho graça - reconheço - aos “adolescentes multifunções”. Aqueles que só conseguem estudar enquanto ouvem música. Com “phones”, de preferência, para que a qualidade do som “bata” um pouco  melhor na cabeça. E que colocam o telemóvel numa espécie de espreguiçadeira, bem ao lado do manual sobre o qual se debruçam, e saltitam - vigilantes - entre um parágrafo e outro, e uma mensagem acabada de chegar (que, entretanto, se intrometeu entre o livro e o seu olhar). E param e respondem-lhe. E retomam o estudo. E param “por um minuto” mais, só para darem uma espreitadela no WhatsApp. E sublinham, logo a seguir, cheios de motivação e com primor, num tom berrante ou fluorescente, uma próxima frase. E param. Porque alguém através do Instagram, acaba de partilhar uma story divertida. E, à cautela, carregam no estudo e nos sublinhados e vão, logo a seguir, dos sublinhados aos resumos - geralmente, longos e minuciosos - para que não haja como um qualquer pormenor daquilo que se “estudou” lhes possa fugir. E param. Porque alguém lhes manda um toque e mensagem. E liga, a seguir, e cochicha, por breves segundos (porque aqui não há cedências quando se trabalha...), sobre uma coscuvilhice “fundamental” para a formação duma pessoa. E, depois de, primorosamente, elaborado - a duas cores! - sublinham quase todo o resumo. Mas, param, logo depois. Para trocarem de música. Ou para “darem um saltinho” até ao YouTube. Riem-se, como não podia deixar de ser, com uns tipos que “são uns palhaços”. Claro! Mas estudar cansa, não há como negá-lo. E param. Para lanchar. E para reporem a glicose e para respirarem. E para darem ao oxigénio um novo furor que ponha a cabeça a trabalhar. No entretanto, passam os dedos pelo telefone e sintonizam-se com uma série. E, ficam “agarrados” a ela. Mas vêem “só” um episódio. Só um. E os primeiros segundos aquele que vem a seguir, vá lá, depois da respectiva contagem decrescente, evidentemente. E, quando dão conta - upps!.... - reparam que não só já viram o segundo como, sem que percebam porque,  já vão a meio do terceiro. Mas porque uma pessoa é de partilhar, trocam “duas mensagens” sobre um dos protagonistas ou sobre a reviravolta, imprevisível até para os corações mais respaldados, na história, que os torna vibrantes e “remexidos”, por dentro. E voltam ao resumo. E trincam o pão que, entretanto, resistiu aos últimos desenvolvimentos da série, até porque o lanche tem um ritual que faz com que não consigam estar atentos a uma história, beber um gole de leite, trincar e mastigar. Tudo, mas tudo ao mesmo tempo. E olham para o relógio e (Oh!) Sao horas de ir ao ginásio. Deixam as coisas desarrumadas e o pão que sobrou, capitulado, junto ao copo, vazio, no chão, primorosamente aconchegado ao pé da mesa da sala. Para arrumar, evidentemente. Mas só mais tarde. Depois do Pilates. Entretanto, entre o Snapchat, o Spotify e mais meia dúzia de músicas, volta-se a casa. Fresco! E tem-se a mãe à espera, esganiçada, porque, entretanto, alguém “chutou para golo” na caneca do leite e o gato comeu o pão. E quando uma tarde de trabalho parecia perfeita e tinha, até, rendido, uma pessoa acaba a fantasiar que há mais menopausas precoces do que pode parecer. Entretanto, porque é mesmo assim, uma pessoa barrica-se no quarto. E, quando chega a hora do jantar, o clima já não é “só paz e amor”. E, para estragar tudo, há sempre um dos “suspeitos” do costume que, qual ingénuo, pergunta: “Olha lá, tu estudaste?...” E, quando chega a altura de se pespegar o resumo debaixo do nariz de um incauto dos pais, uma pessoa quase desfalece com tanta ira. E só murmura. E tudo fica  entre um “murro no estômago” e o indigesto. A,  seguir, sente-se quase obrigada, porque se “toca”, a um “recuo estratégico” até ao quarto (sem se passar, sequer, pelo sofá). E o “power” duma tarde de estudo quase parece perder todo o gás. Só por isso, claro - o que mais podia ser?... - quase como “uma coisa má” passa pela cabeça, aquilo que quase se podia jurar que estava aprendido parece “varrer-se” da cabeça e zás: quem é que sente motivação para o estudo depois duma coisa destas?... E assim, quando tudo dava a entender que a tarde de estudo tinha servido, também, para calar “algumas pessoas” e tinha sido para valer, chega-se, de uma maneira “aziada” e muito pouco na “descontra”, a um jeito meio desconsolado de terminar o dia. A vida, com tanto estudo  - há quem não creia... - é muito cansativa!

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