quinta-feira, 19 de abril de 2018

Como lidar com esta nova geração "dependente" da tecnologia

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Artigo escrito por Clara Soares para a revista Visão, em 8 de abril de 2018.

Duas psicólogas, especialistas em perturbações que afetam os adolescentes, falam das pressões excessivas e dos exageros da vida virtual. Não é à toa que a Organização Mundial de Saúde acabou de incluir o “vício de videojogos” na sua lista de doenças do foro psiquiátrico.


IVONE PATRÃO

A investigadora do ISPA – Instituto Universitário de Psicologia Aplicada e autora do livro Geração Cordão defende que os adultos devem falar com as crianças desde cedo sobre 
o uso da tecnologia

Os adolescentes passam demasiado tempo online ao ponto de isso lhes alterar o humor?

Há dez anos, comecei a receber na clínica jovens com indicação de comportamentos agressivos e alterações do sono, mas que nada tinham que ver com perturbação de hiperatividade e défice de atenção. Estavam ligados à dependência online. 
A dependência da tecnologia compromete a alimentação, o sono, o rendimento escolar, as relações com os outros. Numa pesquisa que fizemos com meio milhão de adolescentes que usa smartphone, 14% deles tiveram a cotação máxima em dependência da internet.

A vida virtual e o multitasking afetam o funcionamento 
do cérebro juvenil? 
Há diferenças de género?

Quem já tem outros fatores de risco para sintomas ansiosos e depressivos fica mais vulnerável. 
Os estudos na área da neurobiologia, com recurso a ressonâncias magnéticas, mostram que são ativadas as mesmas zonas cerebrais (da recompensa) nos utilizadores da internet e de videojogos. O excesso 
do seu uso limita o desenvolvimento 
e o treino das competências sociais 
e da autonomia. Uma investigação com 2 220 jovens, entre os 12 e os 30 anos, permitiu perceber que os rapazes tendem a ligar-se mais aos videojogos 
e as raparigas às redes sociais.

Os miúdos aprendem por imitação e seguem o modelo dos pais. Estes estão à altura?

Os jovens, com legitimidade, perguntam: “Então o meu pai não me deixa estar na internet e, à uma da manhã, põe um post no Facebook?” Chegam aos 16 anos sem nunca terem conversado sobre isto com os pais ou recebem respostas vagas como “podes estar, mas só um bocadinho” ou “já estás nisso há tempo demais”. 
Não são exemplos a seguir.

Os jovens podem ficar deprimidos pelo medo da comparação social 
na vida real. Como se lida com isto na vida virtual?

A pressão do grupo sempre existiu. 
A vida online amplia essa pressão, eles ficam 24 horas ligados, sem parar 
para refletir, como acontecia antes. Deixaram de ter time out. Assumo que a sintomatologia ansiosa e depressiva tem que ver com esta sobrecarga. Aconselho os pais a promoverem momentos de encontro. Definam regras, como o não usar ao jantar, sem exceções, seja o jogo ou o email de trabalho a enviar. Mas falem uns com os outros!


TERESA LOBATO FARIA

A especialista lembra que os jovens precisam de se sentirem compreendidos e aceites pelos adultos, sem pressões excessivas nem julgamentos. E deixa pistas para os pais e os professores

Porque se agravam 
os sintomas ansiosos e depressivos 
na adolescência?

Essa é a altura da vida em que os jovens começam a questionar e a tomar decisões, a imitar o que fazem os amigos. 
É também nessa altura que surgem atitudes de isolamento ou de rebeldia. Há também a questão genética, o bullying, a rejeição do grupo e o stress crónico nas famílias. O imediatismo social dominante limita a capacidade de esperar e de resistir à frustração. 
A ansiedade vem antes da depressão 
e é um fator de risco para esta.

O que faz com que haja jovens que se sintam menos bem na escola, chegando mesmo a vomitar?

Vomitar pode traduzir uma fobia escolar ligada à angústia da separação ou ao excesso de exigência e à pressão para o sucesso. Muitas vezes, os adultos exigem em vez de ajudarem. Por exemplo, quando divulgam nas redes sociais o facto de o filho estar no quadro de honra... A intenção até pode ser boa, mas a comparação social cria sensações de incapacidade.

A adolescência não é uma doença. 
Há alguma coisa que está 
a escapar aos adultos?

O pior que se pode dizer a um adolescente aflito é: “Tu sabes, tu consegues.” Isto agrava o problema, conduz a estados de desistência e de falta de esperança. Outros erros comuns: numa turma, castigar os malcomportados sem ter a sensibilidade de avaliar o impacto que isso tem sobre os perfeccionistas, que vão para as aulas com uma ansiedade horrível; pais que ficam ofendidos se os jovens preferem programas com amigos às saídas com eles.

Que fatores contribuem 
para uma adolescência tranquila?

A partilha familiar, que é um fator protetor por excelência, mas existe pouco, 
e ter abertura para aceitar os deslizes e a experimentação dos miúdos. Imagine que o vê a fumar – mas é fumador, está em risco ou só a experimentar? Os pais também não devem ficar sentidos perante os primeiros sinais de autonomia dos filhos, o que é saudável. Quando os vossos filhos se queixam, levem-nos a sério. Evitem que meros mal-entendidos se tornem conflitos enormes. Saibam ouvir e respeitar para que eles não se sintam incompreendidos e cresçam com chão e esperança.

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