quarta-feira, 21 de março de 2018

Antes de partilhar fotos de menores nas redes sociais, pense nisso

istock


Notícia do https://www.noticiasaominuto.com de 27 de fevereiro de 2018.


"Nos Estados Unidos, há uma média de 1500 fotos de menores publicadas pelos pais, antes dos filhos completarem cinco anos de idade, conta o Lavanguardia. Esta é uma prática comum para quem partilha publicamente qualquer momento da sua vida. Nesta perspetiva, poderá fazer sentido que também partilhe aspetos relativos aos seus filhos, mas e quando a criança crescer e tiver idade para opinar sobre se quer ou não esta exposição da sua vida privada?

Esta partilha constante e desenfreada é identificada como ‘Shareting’, que junta os conceitos ‘partilha’ (share) e criar/educar (parenting), numa tentativa de alertar para a necessidade de consciencialização sobre esta prática.

Várias iniciativas seguem este propósito como é o caso da espanhola ‘Por un uso Love de la tecnologia’, que partilha um conjunto de dicas de comportamento a seguir, para que não prejudique a imagem dos mais novos.

Antes de publicar alguma foto, pergunte-lhes se concordam: Os pais têm domínio sobre os filhos menores de idade, mas criar um perfil digital sem que a criança tenha sequer noção, vai mais além dos aspetos sobre os quais as crianças não têm domínio.

Configure a privacidade do seu perfil nas redes sociais: Usando como referência o caso de adultos britânicos, sabe-se que 45% usa perfil fechado só para amigos, 20% permite que amigos de amigos vejam as suas publicações e que 8% optam por perfis abertos. Nos dois últimos referidos casos, há a possibilidade de configurar a privacidade de cada foto, independentemente da generalidade do seu perfil.

Amigos reais ou virtuais? Muito admitem que não são amigos de pelo menos metade das conexões que tem no Facebook. Pense se tem de facto interesse em partilhar fotos privadas do seu filho com estas pessoas que não conhece.

Atenção à informação que a foto transmite: Uma foto a usar o uniforme do colégio, com o equipamento da equipa de futebol que participa ou outro pormenor que revele informação sobre a sua vida, é mais do que partilhar uma simples foto.

Evite partilhar momentos vergonhosos: Os pais podem achar muito engraçado uma foto do filho na banheira, a dormir de boca aberta ou noutra situação que, anos mais tarde, possa vir a ser motivo de humilhação para o filho.

No caso de aparecer outras crianças na foto, peça autorização aos seus pais: Em última instância, a responsabilidade é sua. Partilhar as fotos dos seus filhos é uma decisão sua, mas não tem o direito de tomar esta decisão relativamente aos filhos de outros adultos.

Uma foto partilhada viaja milhares de quilómetros: Através de uma rede de cinco pessoas, qualquer publicação pode chegar ao outro lado do mundo. Pense nisso na hora de qualquer partilha".



segunda-feira, 19 de março de 2018

SOS Criança: Casos de crianças em risco diminuem mas aumentam situações de pedofilia


GLOBAL IMAGENS


Notícia publicada em 15 de março no Diário de Notícias.

"Em 2017, o SOS Criança recebeu uma média de 116 apelos por mês, a maioria feita por adultos

Os casos de crianças em risco que chegam à Linha SOS-Criança diminuíram 10% em 2017, ano em que aumentaram as denúncias de pedofilia, segundo dados do Instituto do Apoio à Criança (IAC) avançados à Lusa.

A Linha SOS-Criança recebeu 1.841 chamadas em 2017, menos 640 face ao ano anterior. Um terço dos casos envolvia crianças até aos seis anos, sendo a "criança em risco" (70 situações), a "negligência" (62) e os "maus tratos físicos na família" (70) as problemáticas mais denunciadas.

Apesar dos casos de "crianças em risco" continuarem a ser as situações mais encaminhadas pelos técnicos do SOS-Criança, observou-se uma descida de 10% face a 2016.

Os dados mostram também um aumento de 3% no número de casos de "Pedofilia" (11 em 2017) encaminhados e um decréscimo de 7% das situações de "maus-tratos psicológicos na família" (29).

Em declarações à agência Lusa, o coordenador do serviço SOS-Criança e secretário-geral do IAC afirmou que as "situações de risco parecem estar mais controladas", porque a comunidade denuncia mais.

"No passado estas situações eram muito silenciadas e normalmente a comunidade não se envolvia nos assuntos intrafamiliares", mas hoje está mais atenta, pede mais apoio, e "a situação tem vindo a melhorar".

Para Manuel Coutinho, tem "sido essencial" a aposta na prevenção, "o que nem sempre impede de esporadicamente acontecerem situações graves que surpreendem tudo e todos".

Comentando o aumento dos casos de pedofilia, mas também as situações de abuso sexual, três situações encaminhadas em 2017 para o Ministério Público, disse que, apesar de muitas situações terem por base as redes sociais, a maioria ocorre em "contexto intrafamiliar" e "quase sempre" cometida por "pessoas muito próximas da criança".

São pessoas que "conseguem cativar e conquistar a confiança da criança" e posteriormente silenciam-na através de ameaças.

Por outro lado, as redes sociais também escondem perigos aos quais os pais têm de estar atentos.

"As redes sociais podem ter muitas aspetos positivos, mas também têm partes menos boas" relacionadas com "homens ou mulheres com menos escrúpulos" que tentam aproximar-se de crianças, para as aliciar para práticas de pedofilia.

Para Manuel Coutinho, a comunidade tem de estar atenta e "os pais têm que saber claramente o que os filhos andam a fazer nas redes sociais".

"As crianças correm por vezes menos perigos quando estão a brincar sozinhas nas ruas do que quando estão sozinhas nos seus quartos nas redes sociais", alertou.

Em 2017, o SOS Criança recebeu uma média de 116 apelos por mês, a maioria feita por adultos (1.318), principalmente a mãe (151), o vizinho (123), o pai (71), os avós (71) e a comunidade (92).

A maioria dos apelantes residia no distrito de Lisboa (26%), no do Porto (20%) e dos Açores (8%), referem os dados, adiantando que o "principal objetivo" dos pedidos foi "falar com alguém".

Do total dos apelos, verificou-se o envolvimento de 874 crianças e 776 infratores, 81% dos quais era familiar da vítima. Em 376 situações, o agressor foi a mãe e em 188 o pai.

"A família deve ser o local mais seguro que a criança tem e por vezes é lá que corre os maiores perigos", lamentou.

Em 26% dos casos as crianças viviam em famílias tradicionais, em 25% em famílias monoparentais, 14% em famílias reconstituídas e 8% em famílias alargadas.

Um terço das situações referia-se a crianças até aos seis anos, enquanto 15% respeitava a menores com idades entre os 11 e os 13 anos e 17% eram adolescentes com idades entre os 14 e os 18 anos de idade.

Para evitar que "uma situação de risco não se torne uma situação de perigo", Manuel Coutinho apelou para as pessoas contactarem o SOS-Criança (116 111).

"Atuar na emergência é sempre muito mais difícil do que atuar na prevenção e a criança merece que as pessoas apresentem as situações quando se começa a desenhar qualquer situação de risco ou negligência", frisou".

segunda-feira, 12 de março de 2018

Grooming Online: aliciamento de crianças e jovens através da Internet




O aliciamento de crianças e jovens através da internet, essencialmente pelo recurso a redes sociais ou chats, tem sido cada vez mais discutido sob a designação de Grooming Online. Este fenómeno tem sido alvo de preocupação e estudos a nível internacional, tendo levado a modificações legislativas de forma a proteger as crianças e jovens deste tipo de vitimação. O Grooming Online ainda não está qualificado como fenómeno criminal e, em Portugal, até à data não se encontraram dados sobre o mesmo, pelo que o estudo do livro Grooming Online: um estudo exploratório em Portugal é de grande importância no nosso país.

Nesta obra as autoras exploram a dimensão do fenómeno em Portugal bem como analisam o conhecimento dos jovens sobre o mesmo. Dado que se trata de um tema pouco abordado, a leitura da presente obra oferece aos leitores conhecimento sobre as experiências, percepções e inseguranças dos jovens acerca do Grooming Online, bem como revela números de vitimação. As autoras optaram um estudo exploratório de natureza quantitativa e recolheram dados através de um questionário. A amostra foi constituída por 151 participantes, 76 (50,3%) do sexo masculino e 75 (49,7%) do sexo feminino.

O Grooming Online é também um tópico central no primeiro livro da coleção Alerta Premika! Risco online detetado - Ameaça nas redes sociais! E agora, Marta? , uma coleção para crianças do 1.º e 2.º ciclos no âmbito da segurança na Internet.


Para além da história, o livro-jogo possui um conjunto de “dicas” para navegar na Internet em segurança, que podem ser lidas e discutidas em família, e um glossário.

quinta-feira, 8 de março de 2018

Opinião: Adolescentes e internet: contra o aumento da idade para consentimento parental



A definição da idade do consentimento - a partir da qual os pais não precisam de autorizar a recolha de dados dos serviços online - é uma das dúvidas as esclarecer no RGPD. Tito de Morais e Cristina Ponte explicam porque não deve subir para os 16 anos.

Por Tito de Morais (Fundador do projeto MiudosSegurosNa.Net) e Cristina Ponte (Coordenadora da equipa Portuguesa do projeto EU Kids Online)



"O Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD) da União Europeia começará a produzir efeitos a 25 de maio de 2018. Visando proteger a privacidade e os dados pessoais dos cidadãos, obrigará as empresas fornecedoras de serviços da sociedade de informação a, entre outros aspetos:
• Tratar os dados pessoais de forma justa e transparente;
• Parar de transferir dados pessoais a entidades terceiras sem o consentimento explícito prévio;
• Respeitar o “direito ao esquecimento”;
• Parar com práticas de data-profiling de menores de idade.
No entanto, a partir dessa data, os menores de 16 anos deverão obter o consentimento parental antes de aceder aos serviços da sociedade de informação, uma medida que agora se situa nos 13 anos. Não deixando de ter presentes os aspetos positivos que o regulamento introduz, tendo como base as práticas e os direitos digitais dos mais novos, vimos expressar a nossa discordância com esse aumento da idade.
Há dias, na apresentação do Roteiro Inovação, o primeiro-ministro apontava como objetivos aumentar as competências digitais e a qualificação dos recursos humanos da sociedade portuguesa, apontando como meta para 2030 ter nove em cada dez portugueses a serem utilizadores da Internet. Alcança-se esta meta pela inclusão dos cidadãos e não mediante a criação de barreiras e obstáculos artificiais, tais como mecanismos de consentimento parental. Este esforço de inclusão, onde os mais novos são os motores que levam as famílias para o digital, tem sido orientação política desde há duas décadas, não impedindo mesmo assim a persistência de desigualdades geracionais.
Por outro lado, o reconhecimento das oportunidades, acompanhado por cuidados na prevenção de riscos, tem sido objeto de políticas públicas para a capacitação de crianças, adolescentes e respetivas famílias, através de projetos do Estado comparticipados pela União Europeia, tais como o SeguraNet, o Centro InternetSegura e helplines como a LinhaAjuda e hotlines as LinhaAlerta. Este ambiente tem-se traduzido em lares apetrechados de tecnologia, como refere o inquérito do INE de 2017 sobre o uso das TIC nas famílias portuguesas  que apontava a sua existência em praticamente todas (97%) as famílias com crianças até 15 anos.
O último estudo nacional sobre práticas digitais de jovens, o estudo Net Children Go Mobile, de 2014  - que reuniu países da rede EU Kids Online e que incidiu sobre os 9-16 anos - indicou as redes sociais como os espaços na internet que crianças e adolescentes mais usam para comunicarem entre si: 80% das crianças de 11-12 anos referiam ter um perfil numa rede social. Ou seja, já então era elevado o número de crianças portuguesas a dar uma falsa informação relativamente à idade – com ou sem consentimento parental - para criar uma conta em redes sociais, cujo requisito atual geralmente se situa nos 13 anos como idade mínima.
O mesmo estudo de 2014 apontava que os jovens portugueses revelavam competências e cuidados no manejo de contatos nas redes sociais. De facto, cerca de um terço dos jovens utilizadores de redes sociais declarava aceitar apenas pedidos de contato por parte de pessoas que conhecia bem, sendo esse valor o mais elevado entre os sete países do estudo (além de Portugal, Bélgica, Dinamarca, Irlanda, Itália, Reino Unido e Roménia). Por outro lado, apenas 6% dizia aceitar todos os pedidos de amizade que recebia, um dos valores mais baixos entre os sete países do estudo.
Quatro anos depois, em 2018, está em curso um novo inquérito nacional sobre estes temas, integrado na rede europeia EU Kids Online. Importa ir monitorizando as suas práticas, competências e considerações sobre oportunidades e riscos para com elas serem traçadas orientações que tenham em conta realidades e considerem os jovens como sujeitos ativos neste processo. De facto, são novas gerações a crescer com o digital desde cada vez mais cedo, em condições de crescente mobilidade e acessibilidade, dentro de uma forte cultura de pares que constituem redes de socialização digital.
Aumentar para os 16 anos de idade o requisito do consentimento parental para a recolha e tratamento de dados pessoais, ainda que tendo em conta a proteção da privacidade, na prática poderá resultar num maior número de crianças e adolescentes a dar informação falsa sobre a sua idade para aceder aos serviços da sociedade de informação, contornando possíveis resistências parentais. Tal impedirá os operadores de adequarem as medidas e ferramentas de segurança e proteção da privacidade à idade real dos utilizadores mais novos. Resumindo, em vez de se colocar o foco na informação, na educação, em serviços e ferramentas que possam ser facilmente compreendidos e aplicados e que possam contribuir para proteger crianças e jovens dos potenciais riscos a que podem estar expostos online, adotar os 16 anos como idade do consentimento poderá contribuir para agravar um problema, em vez de o resolver.
O atual contexto digital em que crescem crianças e adolescentes coloca também desafios às políticas de educação no sentido de lhes garantir competências digitais. Reconhecendo os riscos e as oportunidades geradas pela internet, o atual programa de TIC considera as redes sociais como matéria curricular no 8º ano de escolaridade, ou seja, cobrindo os 13/14 anos. Dado que os usos da internet começam bem mais cedo e nem sempre são devidamente acompanhados no ambiente familiar, temas como o da utilização ética, responsável e segura das TIC, onde se inclui a segurança online e a proteção da privacidade, deveriam passar a integrar o curriculum escolar mais precocemente, tal como previsto no Projeto de Autonomia e Flexibilização Curricular em curso, que prevê nas matrizes curriculares base as TIC a partir do 5º ano de escolaridade.
Assim, o direito à proteção online deve vir a par do direito à provisão (como a aquisição de literacias que desenvolvam competências críticas) e à participação, considerando os mais novos como cidadãos digitais. Esta matéria de direitos digitais - que segue as orientações dos Artigos 12º (direito a ser ouvido em matérias que lhe dizem respeito), 13º e 14ª (direito a liberdade de expressão, pensamento e consciência), 15º (direito de livre reunião e associação), 17º (direito a ter informação adequada à sua idade) e 31º (direito ao lazer e atividades recreativas e culturais) da Convenção sobre os Direitos da Criança - tem vindo a ser sublinhada pela UNICEF, enfatizando a importância de contributos de diferentes entidades para a sua realização, incluindo as próprias crianças e adolescentes.
Nesta linha, as preocupações expressas na brochura  produzida pelo grupo de trabalho #GDPRHaveYourSay  emanam de dezenas de organizações da sociedade civil europeia. Ao longo dos últimos meses, graças ao “Manual de Ação Para Jovens – Dá a Tua Opinião sobre os teus direitos online!”  foram ouvidos pais, professores, educadores e adolescentes numa dezena de países europeus, entre os quais Portugal.
O tema da idade para o consentimento parental à luz do Artigo 8.º do RGPD será discutido em breve no Parlamento Português. Esperamos que, à semelhança da Dinamarca, Espanha, Irlanda, Letónia, Polónia, Reino Unido, República Checa e Suécia, Portugal tire partido da latitude consignada no Artigo 8.º do RGPD, optando pelo requisito do consentimento parental aos 13 e não aos 16 anos de idade.
Apelamos a que, com essa decisão por parte das autoridades portuguesas,  adolescentes de 13 ou mais anos de idade possam usufruir da proteção dos seus dados pessoais e da sua privacidade, continuando simultaneamente a usufruir das oportunidades e dos benefícios proporcionados pelas TIC no domínio do acesso à informação, comunicação, comércio, educação, formação e desenvolvimento pessoais, lazer e entretenimento, expressão da sua criatividade e afirmação de uma cidadania ativa e participativa.
Decidir uma idade é a questão mais simples. O que verdadeiramente está em causa é que medidas adoptar que apoiem essa decisão no domínio da promoção da literacia digital e da promoção da segurança e privacidade".
Fonte: Sapo Tek

sexta-feira, 2 de março de 2018

A epidemia de jovens reclusos em seus quartos



Por Matteo Zorzoli | Tradução: Luisa Rabolini (IHU Online). 
Publicado em 26 de fevereiro de 2018 em Outras Mídias.



O fenômeno dos “hikikomori”, jovens em autorreclusão, torna-se uma epidemia no Japão, atinge um milhão de pessoas, e avança no Ocidente. Quais suas bases?


Eles estão entre os 14 e 25 anos e não estudam nem trabalham. Não têm amigos e passam a maior parte do dia em seus quartos. Dificilmente falam com os pais e parentes. Eles dormem durante o dia e vivem à noite para evitar qualquer confronto com o mundo exterior. Eles se refugiam nos meandros da Web e das redes sociais com perfis falsos, único contato com a sociedade que abandonaram. São chamados de hikikomori, palavra japonesa para “ficar de lado”. Na Terra do Sol Nascente já atingiram a cifra alarmante de um milhão de casos, mas é equivocado considerá-lo um fenômeno limitado apenas às fronteiras japonesas.

“É um mal que assola todas as economias desenvolvidas – explica Marco Crepaldi, fundador do Hikikomori Itália, a primeira associação nacional de informação e apoio sobre o tema. – As expectativas de interação social são uma espada de Dâmocles para todas as novas gerações do século XXI: há aqueles que conseguem suportar a pressão da competição na escola e no trabalho e aqueles que, em vez disso, largam tudo e decidem se autoexcluir”.

As últimas estimativas falam de milhares de casos italianos de hikikomori, um exército de presos que pede ajuda. Um número que tende a aumentar se não conseguirmos dar ao fenômeno uma clara posição clínica e social.


Um fenômeno de contornos ainda pouco claros

Associações como a Hikikomori Itália já há anos estão fazendo todo o possível para sensibilizar a opinião pública sobre um desconforto que é muitas vezes confundido com incapacidade e falta de iniciativa das novas gerações. Um equívoco que encontrou terreno fértil no debate político, legislatura após legislatura, criando estereótipos como “bamboccioni” (adulto com comportamento infantil e mimado) , um termo cunhado em 2007 pelo então ministro da Economia, Tommaso Padoa-Schioppa, ou “jovens italianos choosy” (exigentes) da ex-ministra do trabalho, Elsa Fornero, até chegar ao limite da sigla Neet, (em português, são os chamados “nem-nem”) os jovens que não têm “nem trabalho nem estudo”, que de acordo com uma pesquisa da Universidade Católica de 2017 seriam cerca de 2 milhões em todo o país.

Também do ponto de vista médico, o hikikomori sofre de uma classificação nebulosa. No Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM), a “Bíblia” da psiquiatria, ainda está registrada como síndrome cultural japonesa: uma imprecisão que tende a subestimar a ameaça do distúrbio no resto do mundo e cria consequências perigosas.

“Muitas vezes é confundido com síndromes depressivas e, nos piores casos o jovem é carimbado com o rótulo de dependência em internet – explica Crepaldi – Um diagnóstico desse tipo geralmente leva ao afastamento forçado de qualquer dispositivo eletrônico, eliminando, dessa forma, a única fonte de comunicação com o mundo exterior para o doente: uma verdadeira condenação para um garoto hikikomori”.


Como alguém se torna um hikikomori?

O ambiente escolar é um lugar vivenciado com sofrimento especial pelos hikikomoris, não surpreendentemente a maioria deles se inclina ao isolamento forçado durante seus anos finais do ciclo fundamental e durante o ensino médio. É neste período que geralmente ocorre o ‘fator precipitante’, que é o evento-chave que inicia o movimento gradual de afastamento dos amigos e familiares. Pode ser um episódio de bullying ou uma nota ruim na escola, por exemplo.

“Um evento inofensivo aos olhos de outras pessoas, mas contextualizado dentro de um quadro psicológico frágil e vulnerável, assume uma importância muito significativa – explica Crepaldi – É a primeira fase do hikikomori: o garoto começa a faltar dias de aula usando qualquer desculpa, abandona todos as atividades esportivas, inverte o ciclo vigília-sono e se dedica a compromissos monótonos solitários como o consumismo desenfreado das séries de TV e videogames”.

É importante intervir exatamente nesse primeiro estágio do distúrbio quando se manifestam os primeiros sinais de alarme. Nessa fase, os pais e os professores desempenham um papel crucial na prevenção: investigar a fundo as motivações íntimas do desconforto e, se necessário, buscar rapidamente o apoio de um profissional externo para evitar a transição para uma fase mais crítica, quando seria necessária uma intervenção que poderia durar até anos.


Itália e Japão: duas faces da mesma moeda

É inegável que a cultura japonesa historicamente tem se caracterizado por uma série de fatores que aumentam a dimensão do fenômeno, a ponto se ser já possível se falar de duas gerações de hikikomori, a primeira desenvolvida na década de 1980. O sistema social e escolar extremamente competitivo e o papel da figura paterna muitas vezes ausente por causa de horários de trabalho extenuantes estão na base das expectativas opressivas e muitas vezes não concretizadas. Mesmo considerando as devidas proporções, mesmo na Itália as pressões sociais são muito fortes. Determinantes desde os primeiros casos de hikikomoris diagnosticados em 2007, são a diminuição dos nascimentos com o consequente aumento de filhos únicos, geralmente submetidos a pressões maiores, a crise econômica que torna muito distante o ingresso (real) no mercado de trabalho e a explosão de cultura da imagem, exacerbada pela disseminação capilar das redes sociais.

Na Itália a síndrome não afeta só os homens, como no Japão, mas inclui também um discreto número de hikikomori-mulheres, com uma proporção de 70 para 30. “Por uma questão cultural as famílias consideram, no entanto, a reclusão da filha como um problema menor – diz Crepaldi – provavelmente porque a veem como uma futura dona de casa ou esperam que um dia se case e saia de casa”.

No contexto italiano, aliás, existem diferenças entre uma região e outra: os hikikomoris do norte da Itália têm, de fato, características diferentes daqueles do sul. Justamente por isso, o site Hikikomori Itália disponibiliza salas de chat regionais, onde os jovens podem discutir problemas com os seus conterrâneos que sofrem da mesma síndrome.

Existe apenas uma regra dentro do chat: quem entra não é obrigado a interagir, mas é apreciada uma breve apresentação. Aqueles que não a respeitam são “bloqueados”. Para aqueles que querem contar a sua história também tem um Fórum, aberto tantos aos jovens como aos pais: um mundo paralelo, silencioso, impalpável.

Uma tela de pedidos de ajuda e de sofrimento, mas também histórias de sucesso. Como a de Luca, 25 anos:

“O dia e noite eram idênticos, eu dormia quando sentia vontade, comia quando queria. Eu perdi todos os meus amigos e a tela era um “Stargate” para outro universo. O tempo se dilatava quando eu clicava no teclado e eu nunca queria parar. Quando precisava tomar banho ficava ansioso debaixo do chuveiro para voltar logo a jogar.

Eu passei mais de dois anos jogando Wow [World of Warcraft, um jogo de estratégia] em total isolamento. Eu não conseguia mais nem andar. Tudo isso aconteceu sem que minha mãe percebesse: trabalhava das 8 às 17 e eu fingia que ia à escola. Eu já não queria mais ir. Muita pressão.

O isolamento é uma batalha que no final torna-se uma cura. Crescia dentro de mim como uma onda, lentamente, até o momento em que tudo começou a me incomodar, eu detestava tudo o que eu fazia, eu não suportava mais quem eu era.

Hoje eu estou fora, eu moro no exterior e tenho uma linda namorada. Sou ou fui um hikikomori? Eu não sei, mas o que eu sei é que a força para combater esse demônio está e existe apenas dentro de você, ninguém pode ajudá-lo, na taberna de alguma montanha virtual onde você se perdeu, com a sensação de paz que envolve a sua mente. O único conselho que acho que posso deixar é: fujam do computador”.