Talvez ainda não tenha ouvido falar da TikTok, da
Tellonym ou da YouClap, mas estas são algumas das aplicações preferidas
dos adolescentes. Partilhar vídeos caseiros, enviar mensagens anónimas,
superar desafios lançados pelos amigos…
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Noutros tempos, passavam-se bilhetinhos, sem assinatura, de mão em
mão, na sala de aula. Atualmente, existem apps de envio de conteúdos
anónimos. São habitualmente usadas para fazer as mesmas perguntas mais
ou menos inocentes de antigamente, mas agora é muito mais fácil difundir
a mensagem e muito mais difícil ser apanhado, se a opção for insultar
um colega. O cyberbullying é apenas um dos vários perigos que se
escondem nas apetecíveis apps. Saberão os adolescentes portugueses
defender-se deles?
Aos 17 anos, Catarina Semedo
Oliveira já é perita em segurança online. Faz parte dos Líderes
Digitais, uma iniciativa da SeguraNet, com o patrocínio da Direção-Geral
da Educação. A reputação de especialista faz com que os amigos lhe
peçam ajuda com frequência. “Normalmente, o problema é terem começado a
falar com um desconhecido que, depois, propõe um encontro, e então ficam
com medo”, revela.
Daniel
Cardoso, docente de Ciências da Comunicação nas universidades Nova e
Lusófona, procura tranquilizar os pais: “A esmagadora maioria dos jovens
que se encontram pessoalmente com desconhecidos depara-se com pessoas
da sua idade. É muito raro darem de caras com adultos, mas essa
preocupação é compreensível.” Hoje em dia, já não terá grande eficácia
dizer simplesmente para não falarem com estranhos. “É uma mera
proibição, não incute espírito crítico, o importante é capacitá-los para
lidarem com as situações”, defende o investigador. “Se é inevitável que
vão ter com estranhos, então o melhor é dizer-lhes para agendarem o
encontro num local público, levarem um amigo e avisarem mais alguém da
situação”, sugere. “É importante manter um canal de comunicação aberto
que seja compreensivo e não proibitivo”, remata.
Catarina Semedo
Oliveira conhece vários casos de jovens que se viram numa encruzilhada:
“Quando alguma coisa correu mal, não eram capazes de falar com os pais
porque sentiam que tinham traído a sua confiança ao não respeitarem as
proibições.”
A psicóloga clínica Ivone Patrão é apologista de uma
supervisão baseada na partilha desde o jardim-escola. “Se só começarem a
falar destas questões quando os filhos tiverem 16 anos, os pais terão
muito mais dificuldade em alterar comportamentos.” E lembra que é
fundamental respeitar a privacidade dos adolescentes: “Se a
sensibilização tiver sido feita ao longo da infância, as regras estarão
incutidas e os jovens saberão lidar com as situações que aparecerem.” A
VISÃO foi em busca das apps mais populares entre os adolescentes para
que pais e filhos saibam lidar com os vícios e as virtudes das redes.
1. TikTok
recomendado a partir dos 16 anos
Cantigas de amigo
Esta aplicação chinesa de partilha de vídeos tem mais de 150 milhões de
utilizadores. O seu maior sucesso são os vídeos de adolescentes a
cantarem ou a fazerem playback – uma das funcionalidades mais apetecidas
são os duetos com outros utilizadores
Alertas: O jornal britânico The Guardian
noticiou que foram descobertos vários casos de adultos que solicitavam
imagens de nudez a menores através da app. Mesmo entre os jovens, a
partilha de conteúdos sexuais explícitos, os chamados nudes,
tem-se tornado cada vez mais comum. A psicóloga Ivone Patrão aconselha
os pais a lembrarem os filhos de que estão permanentemente a construir a
sua identidade digital, mesmo quando partilham conteúdos em privado.
“Uma vez na internet, para sempre na internet. Será que gostaria que
daqui a dez anos vissem o que publiquei hoje?”, interroga-se, aos 17
anos, Catarina Semedo Oliveira. Na TikTok, só depois de somar mil
seguidores é possível fazer vídeos em direto, um incentivo para aceitar
toda a gente.
Conselhos de segurança: A
aplicação tem uma secção exclusiva para menores de 13 anos, na qual só é
possível ver vídeos previamente aprovados e não é permitido partilhar
conteúdos, mas basta alterar a data de nascimento para ter acesso a
todas as funcionalidades. O modo restrito permite filtrar conteúdo
inapropriado e é possível limitar as mensagens privadas a amigos.
37% dos
jovens viram imagens de cariz sexual na internet ou noutro local no
último ano (em 91% dos casos, as imagens foram vistas em dispositivos
com acesso à internet). Oito por cento sentiram muito incómodo perante o
que viram, 11% sentiram algum ou bastante incómodo
2. Twitch
recomendado a partir dos 15 anos
Espectadores da internet
Propriedade da Amazon, é uma das campeãs do streaming de vídeos de pessoas a jogarem videojogos
Alertas:
É comum a interação com desconhecidos nas salas de conversação, o que
pode potenciar o contacto com pessoas mal-intencionadas. Muitas vezes,
os gamers estão expostos ao discurso de ódio nestas plataformas. Os
utilizadores são incentivados a premiarem os seus jogadores favoritos
comprando Bits, apesar de a app ser gratuita. São muitas as aplicações
grátis que solicitam os dados do cartão de crédito. O pedido não é
inocente. Existem compras integradas que só se revelam com a utilização e
a compra fica de antemão facilitada.
Conselhos de segurança:
Existe a opção de bloquear os convites para conversas privadas. Nas
definições, é importante desativar a opção que permite a partilha da
atividade do espectador, sem a sua autorização.
16% ou seja, uma em cada seis crianças e adolescentes vítimas de ciberbullying teve de fazer coisas que não queria fazer
3. Tellonym
recomendado a partir dos 17 anos
(Des)Protegidos pelo anonimato
Esta app permite enviar mensagens escritas anónimas para outros utilizadores. É possível associar-lhes fotografias ou vídeos
Alertas:
Não é preciso estar registado para usar a aplicação, o que facilita os
comportamentos de ciberbullying ou o envio de conteúdos inapropriados,
por exemplo os sexualmente explícitos. Outra aplicação de troca de
mensagens anónimas, a Kik, foi referenciada nas investigações de mais de
mil casos de abuso sexual, nos últimos cinco anos, no Reino Unido.
“Este tipo de aplicações é muito usado para fazermos perguntas ingénuas
como ‘gostas desta ou daquela pessoa?’, mas também pode facilitar o
contacto com desconhecidos que peçam dados pessoais ou contribuam para o
discurso de ódio e para o bullying”, reconhece Catarina Semedo
Oliveira, embaixadora europeia jovem para a segurança na internet, que
insta todos os internautas a não compactuarem com o ciberbullying. “Não
devemos pôr ‘gosto’ e muito menos comentar. Devemos relatar o que vemos,
fazer uma captura de ecrã e mostrar aos pais ou aos professores.”
Conselhos de segurança:
É possível bloquear preventivamente as mensagens dos utilizadores não
registados. Os remetentes de conteúdos indesejados também podem ser
bloqueados. Outra opção é filtrar determinadas palavras, evitando que as
mensagens que as contenham cheguem ao destinatário. Sempre que uma app
não precise da câmara ou do microfone para funcionar, essas permissões
devem ser negadas.
24% dos inquiridos entre os 9
e os 17 anos confessaram ter sido vítimas de bullying online e offline
no último ano. A forma de ciberbullying mais incomodativa são as
“mensagens desagradáveis”, consideram quase dois terços
4. Facetune
recomendado a partir dos 13 anos
Cirurgias estéticas digitais
Mais do que editar fotografias, esta app permite alterar a aparência da
pessoa fotografada. Aumentar os olhos, diminuir o nariz, remover as
imperfeições da pele ou estreitar a cintura são algumas das
funcionalidades
Alertas: A alteração das selfies
de forma a corresponderem à imagem que gostariam de ter pode contribuir
para o isolamento digital, destruindo a autoestima dos adolescentes.
“Nas redes sociais, há tempo para tirar uma fotografia e melhorar a
aparência, o que não é possível no convívio presencial, isso pode causar
ansiedade e afetar a autoestima dos jovens mais vulneráveis, levando-os
a evitar o contacto face a face”, nota a psicóloga Ivone Patrão.
“Quando um jovem se foca apenas na construção da sua imagem, de forma a
agradar aos outros, há um sofrimento atroz por detrás. Terá de haver
outros sinais de que não está bem”, alerta a docente do ISPA.
Conselhos de segurança:
Estar atento aos sinais que possam denunciar uma baixa autoestima.
Lembrar que o investimento pessoal não deve reduzir-se à imagem e
alertar para o facto de tudo o que é partilhado nas redes ser altamente
encenado.
28% dos
jovens entre os 11 e os 17 anos receberam mensagens sexuais explícitas
no ano passado; em 2014, esse valor não ia além dos 5%. São, sobretudo,
os adolescentes entre os 15 e os 17 anos quem mais as recebe
5. Houseparty
recomendado a partir dos 13 anos
Fazer a festa no ecrã
Com mais de 20 milhões de utilizadores – 60% na faixa etária entre os
16 e os 24 anos –, a principal atração desta aplicação são as chamadas
de vídeo em grupo
Alertas: Só podem ser
adicionadas pessoas que já façam parte das redes sociais ou dos
contactos do telefone do utilizador. No entanto, é possível encontrar
outros usuários nas proximidades, se o localizador do telefone estiver
ligado. As salas de conversação estão abertas por defeito, mas surge um
alerta “stranger danger” sempre que um desconhecido, como um amigo de um
amigo, entra no grupo. A jovem líder digital Catarina Semedo Oliveira
deixa uma advertência: “Não devemos achar que qualquer pessoa com quem
temos amigos em comum é de confiança.”
A transmissão em direto aumenta o risco de serem difundidos conteúdos inapropriados impossíveis de serem controlados.
Conselhos de segurança:
O ideal é desligar o localizador do telefone para evitar ser contactado
por desconhecidos que estejam a utilizar a aplicação na mesma zona
geográfica. Também é possível trancar as salas de conversação, impedindo
qualquer pessoa de entrar sem ser convidada, basta acionar o modo
privado nas definições.
33% dos jovens
portugueses entre os 9 e os 17 anos que tiveram experiências negativas
na internet ignoraram ou esperaram que o problema desaparecesse. Outro
terço decidiu bloquear a pessoa
que o incomodou
6. Yubo
recomendado a partir dos 18 anos
Amores virtuais
É conhecida como o “Tinder dos adolescentes”, mas é apresentada como
uma aplicação para “fazer novos amigos”. Deteta os utilizadores
geograficamente mais próximos
Alertas: É
necessário revelar a localização do dispositivo para a app funcionar
devidamente. O perfil pode ser visto por todos os utilizadores
geograficamente próximos e, quando há um match, podem manter-se
conversas privadas e, até, partilhar vídeos. A jovem embaixadora digital
Catarina Semedo Oliveira recomenda precaução: “Quando começamos a falar
com alguém, temos de pensar bem em tudo o que dizemos e partilhamos. É
mais fácil sermos enganados se o outro souber muito sobre nós.” A
informação revelada online deve ser limitada ao mínimo, mesmo aquela que
é teoricamente partilhada em privado. Dados pessoais, como o número de
telefone, a morada de casa ou a escola que se frequenta, devem ser
sigilosos. Em relação aos encontros presenciais, é perentória: “É sempre
preferível jogar pelo seguro. Podemos conhecer pessoas novas na escola,
não precisamos de passar pela internet.”
Conselhos de segurança:
É possível desativar a localização e a opção de fazer match, mas os
perfis mantêm-se sempre públicos. Os utilizadores menores de idade só
podem contactar com pessoas da mesma faixa etária, mas basta inserir uma
data de nascimento falsa para contornar o sistema, o que torna a
segurança muito limitada.
44% das crianças e dos
jovens portugueses confessaram ter-se encontrado presencialmente com
pessoas que conheceram na internet – um comportamento mais comum entre
os 13 e os 17 anos. A esmagadora maioria (79%) ficou contente após os
encontros. Mais de metade (53%) admite contactar com desconhecidos na
internet
7. YouClap
recomendado a partir dos 16 anos
Desafios a toda a prova
Esta app portuguesa, criada pelo engenheiro informático José Rocha,
formado na Universidade de Aveiro, permite aos utilizadores lançar
desafios (a todos os outros seguidores, a alguns ou apenas a um). Fazer a
melhor coreografia de uma canção, contar a piada mais seca ou,
simplesmente, fotografar o jantar, as possibilidades são infinitas. Um
terço dos seus cerca de 50 mil utilizadores tem entre 14 e 18 anos
Alertas:
Existe o risco de serem lançados desafios perigosos – como já aconteceu
noutras aplicações, por exemplo, com a Baleia Azul (que culminava com
uma tentativa de suicídio). Todas as contas são públicas para todos os
utilizadores.
Conselhos de segurança: Os
programadores eliminam constantemente conteúdos ofensivos, mas são os
utilizadores que denunciam 70% a 80% dos casos – é importante estar
familiarizado com esta função. Em breve, será possível tornar as contas
privadas, mas também será inaugurada a função de conversação.
46%
dos jovens entre os 11 e os 17 anos viram imagens nojentas ou violentas
contra pessoas e animais no último ano. Praticamente o mesmo número
(45%) deparou com informação sobre automutilação e 43% estiveram
expostos a discurso de ódio (em função da cor da pele, da religião, da
nacionalidade ou da orientação sexual)
Fonte: Estatísticas
retiradas do inquérito EU Kids Online 2019, sobre o comportamento dos
jovens portugueses, entre os 9 e os 17 anos, em contexto digital.
As apps que os pais também usam
Além
dos adolescentes, também os mais velhos são utilizadores destas
aplicações, mas nem por isso se devem descurar os seus perigos
Snapchat
É muito utilizado no contexto de sexting (envio de conteúdos
sexualmente explícitos), uma vez que tem a particularidade de as
mensagens supostamente desaparecerem ao fim de pouco tempo. Pura ilusão,
já que é possível fazer capturas de ecrã, comprar replays e salvar
conteúdos do Snapchat recorrendo a aplicações específicas para o efeito.
Convém desativar a localização.
Instagram
Tudo começou com a partilha de fotografias mas, agora, esta rede social
tem muito mais que se lhe diga. Com a função IGTV, os utilizadores podem
subscrever os canais de vídeo uns dos outros. Além disso, é possível
fazer transmissões em direto e trocar mensagens escritas, vídeos ou
áudio em privado com outros utilizadores. Uma das principais opções para
tornar a app mais segura é tornar a conta privada. Podem bloquear-se
seguidores indesejados e limitar os comentários ou filtrar palavras e
emojis ofensivos.
WhatsApp
Além das
mensagens escritas, o WhatsApp permite a partilha de fotos, vídeos e
áudio. Podem bloquear-se contactos guardados ou desconhecidos (mas não
números anónimos) e é possível tornar a conta privada nas definições, de
forma a que só os contactos (ou mesmo ninguém) consigam ver se está
online. A função mais preocupante é a partilha da localização do
utilizador, mas é possível desligá-la.
YouTube
O sucesso dos youtubers ajudou a transformar este repositório de vídeos
numa rede social. Para terem sucesso, os seus vídeos precisam de ser
também comentados. A investigadora Ana Jorge, que tem estudado a relação
dos mais novos com os meios de comunicação, alerta para a importância
de lhes despertar o sentido crítico: “É fundamental desconstruir o que
fazem os youtubers explicando, por exemplo, que as suas recomendações
são pagas pelas marcas.”