Os riscos existem na internet mas também nas relações interpessoais. O estudo EU Kids Online questionou as crianças sobre quais são as situações que elas sentem como incómodo e ameaças e a investigadora Cristina Ponte explica os resultados.
Em 2010, uma pergunta aberta do questionário EU Kids Online - que as coisas na internet incomodam pessoas da tua idade
– foi feita antes de crianças (9-16 anos) responderem a perguntas
específicas sobre quatro riscos online que estavam na agenda pública e
que muito preocupam os adultos: pornografia, sexting, encontro com
estranhos e bullying.
As
respostas dadas por mais de nove mil crianças europeias nos seus
próprios idiomas foram depois tratadas de acordo com a tipologia de
riscos que distingue: riscos de conteúdo – acesso a conteúdos produzidos e difundidos de modo massivo na rede; riscos de contacto, a sua participação em contactos online iniciados por adultos; e riscos de conduta, que consideram a criança como perpetrador ou vítima de comunicação entre pares.
A análise temática das respostas abertas das crianças identificou três pontos principais: 1) uma diversidade considerável de riscos
online; 2) a natureza subtil das circunstâncias que ocasionam tais
riscos (da busca deliberada de situações de risco à exposição acidental a
eles); e 3) a relevância de conteúdos violentos.As
situações de incómodo mais relatadas nessas respostas abertas foram
relacionadas, de longe, com riscos de conteúdo, mais de metade (55 por
cento) de todas as referências. O risco de condutas de pessoas da sua
idade contou com perto de um quinto (19 por cento) de respostas e os
riscos de contato contabilizaram 14 por cento das respostas, com o grupo
remanescente de respostas a incidir sobretudo em problemas de ordem
técnica, como vírus. Assim, o “quadro geral” dado pelas crianças nas
suas próprias palavras sobre coisas que incomodavam as pessoas de sua
idade enfatizava não apenas conteúdos, mas também situações
comunicativas, particularmente as geradas por pessoas da sua idade.
Referências
específicas a pornografia (22 por cento), Cyberbullying (19 por cento)
e Conteúdo Violento (18 por cento) estavam no topo das avaliações das
crianças. A prioridade dada ao conteúdo violento distinguiu-se na medida
em que esta situação tinha recebido menos atenção do que riscos como
exposição a conteúdo sexual ou bullying nas campanhas públicas de
conscientização para os riscos, realizadas junto de crianças.
Referências a outros conteúdos on-line que incomodavam
crianças, embora relativamente baixas em número, incluíam suicídio ou
anorexia/bulimia (235 referências), conteúdos racistas (117), conteúdos
com mensagens de ódio (61) e de persuasão ideológica, religiosa ou
fundamentalista (25). Assim, além de conteúdos também disponíveis em
canais de TV para adultos ou tarde da noite, como pornografia, as crianças
também reportaram ficar incomodadas com conteúdos gerados por outros
utilizadores e que circulam na internet, sobretudo nas redes sociais e
fóruns de debate.
Em constante atualização
Na
origem da internet, que este ano faz meio século, estava uma rede
fechada, publicamente financiada e orientada para a comunicação
especializada. Contudo, a partir da década de 1990, a internet tornou-se
um "espaço profundamente comercializado e cada vez mais usado para a
conduta da própria vida social", como referem os sociólogos dos média
Nick Couldry e Andreas Hepp (2017). O atual processo de digitalização de
dados individuais, transformados em big data e com poderoso
valor comercial, é possível pela diversificação dos dispositivos
digitais, a sua convergência, omnipresença crescente, um ritmo acelerado
de inovação e um crescente e conectado processo de comunicação. Todas
estas dimensões têm impacto nas formas como gerações de utilizadores se
incorporam no ambiente mediático. O papel de liderança dos jovens nos
processos de experimentar e de (re) criar oportunidades digitais é
amplamente reconhecido desde a nova linguagem das mensagens escritas que
introduziram.
Desde 2010, quando foi feito o inquérito europeu a crianças e jovens
(9-16 anos) de 25 países, o processo de apropriação social dos meios
digitais mudou profundamente em termos de acesso aos meios e aos seus
conteúdos, alimentado por inovações técnicas, mercados e indústrias. O
aparecimento de tablets e a consolidação de smartphones,
a sua portabilidade, posse individual e acessibilidade online pela
redução de custos destes aparelhos e pelas políticas de fidelização das
empresas de telecomunicação, a profusão de aplicações e de novos
dispositivos digitais a Internet das Coisas, entre outros aspetos,
fizeram com que em menos de uma década os computadores perdessem a sua
relevância como principais portas de entrada na internet.
Esse processo também mudou em termos de práticas sociais e
culturais, com novos grupos de utilizadores: crianças que cresceram em
lares digitais, pais que educam os filhos nesses lares e que não têm
como referência a sua própria infância. Pressões para se estar ligado e
para se expor e se apresentar convenientemente aos outros, fazendo rever
conceitos de privacidade, de vigilância e monitorização. Os ambientes
digitais estão sujeitos a processos de mudança rápidos e contínuos, que
incluem o crescente papel da comunicação móvel, de novos dispositivos
técnicos, e de novos serviços ou aplicações, e de novos indivíduos e
ambientes sociais.
Por tudo isto, importa conhecer de modo crítico o que são esses ambientes e que implicações têm
nas famílias e nos seus membros de várias gerações, como é que a escola
pode desempenhar um papel democratizador e promotor de competências
digitais. É por isso que realizaremos no final deste mês de fevereiro,
em Lisboa, a apresentação pública e discussão dos mais recentes
resultados do inquérito EU Kids Online, realizado em Portugal junto de
mais de 1970 crianças e jovens.
Leia o artigo na íntegra em
https://tek.sapo.pt/opiniao/artigos/o-que-incomoda-criancas-na-internet-e-como-as-capacitar-para-lidar-com-riscos
(*) Professora Associada com Agregação/Coordenadora do Departamento de Ciências da Comunicação
Faculdade de Ciências Sociais e Humanas – NOVA FCSH
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