quarta-feira, 6 de junho de 2018

Leia a entrevista a Teresa Castro, co-autora de livro “Alerta Premika! Risco Online Detetado” ao blog “A Estante das Marias”




Hoje inauguramos uma nova rubrica aqui no blog. Em “Gente com Livros” vamos conversar mensalmente com diferentes pessoas que partilham connosco o gosto pelos livros. 
Ainda no âmbito do Dia Mundial da Criança, escolhemos inaugurar esta secção com a Teresa Sofia Castro, uma das autoras do livro “Alerta Premika! Risco Online Detetado” porque hoje, mais que nunca, importa falar da relação das crianças com as tecnologias, e o seu papel neste mundo cada vez mais hiper conectado. 
A entrevista foi conduzida pela Maria P.
Como é que surgiu este livro?
Este projeto surge na sequência do meu doutoramento, como tu sabes a minha tese foi escrita em inglês porque eu tive um período dos meus trabalhos de doutoramento em Inglaterra. Na defesa de tese foi-me lançado o desafio de trazer informação, que era considerada pertinente e útil, para as famílias e as escolas portuguesas. Por uma feliz coincidência, o Instituto de Apoio à Criança procurava um novo projeto, que fosse lúdico, que fosse pedagógico, para ajudar as famílias e as escolas a lidar com os desafios das tecnologias e da internet. Na altura, contactaram a Professora Cristina Ponte, da Universidade NOVA de Lisboa, que, por conhecer o meu trabalho, lhes sugeriu que falassem comigo. Numa deslocação ao IAC, conheci a Cláudia Manata do Outeiro, levei-lhe alguns dos diálogos que tive com as crianças com quem fiz investigação. E depois, juntou-se ao projeto também a Raquel Palermo. Houve, de facto, um alinhamento perfeito de circunstâncias, pessoas e compromissos e daí até nascer o primeiro número foi percorrido um caminho de muita aprendizagem.
Pois, porque a tua tese de doutoramento já foi no sentido de investigar a forma como as crianças interagem com a tecnologia…
Sem dúvida! A minha investigação pretender conhecer o dia-a-dia das crianças à volta das tecnologias, o que é que gostam de fazer, como fazem, com quem fazem, como interagem entre eles. As crianças são ativas e criativas na construção das suas culturas e na apropriação das tecnologias móveis digitais. Mas ver como isto acontece no dia-a-dia é um desafio, porque muita coisa escapa ao radar dos adultos: condutas, vocabulário, interesses, dinâmicas... Daí a pertinência deste livro, não só ele oferece uma perspetiva de uma nova geração que está sempre conectada, como revela novos paradigmas de viver a infância. E aqui também há o convite aos pais, aos professores e aos adultos que trabalham com crianças de promoverem uma mediação que capacite as crianças para os desafios, mas também as oportunidades, já que ambos andam de mãos dadas.
O que é que te atraiu nesta área de investigação?
Por acaso é curioso, porque na altura o que eu queria estudar eram as raparigas e as mulheres nas tecnologias e disseram-me que era uma tema que “já estava mais que ultrapassado, toda a gente já tem acesso, e que seria interessante investigar o que se estava a passar com as crianças”. Eu sou filha única, os meus primos são todos muito mais velhos, nunca tive assim um historial de contacto com crianças, e essa ideia acabou por ser interessante porque era uma faixa etária que eu não conhecia assim tão bem. O facto de ter feito um Mestrado em Estudos da Criança acabou aqui por dar um empurrãozinho e de perceber a criança como um agente ativo, competente nas suas decisões, mas pouco ouvida em matérias que lhes dizem respeito. Toda a minha investigação alinha, do ponto de vista teórico e metodológico, com o direito da criança a ser ouvida e vista.
Como é que foi o processo de passar da tua tese para este livro?
Na altura da defesa desafiaram-me a trazer esses dados a público, a transformar a tese em livro. Eu tenho vários artigos académicos publicados em português em inglês. Mas na minha perspectiva, publicar a minha tese em livro não iria ter um impacto efetivo de serviço à sociedade. Seria mais um livro académico para ficar numa prateleira de uma biblioteca, que nenhum pai ou professor procurariam ler. Então, é aí que se dá o casamento perfeito entre a investigação e a verdadeira utilidade do investimento que fiz no doutoramento. Tive a sorte de ter as pessoas certas à minha volta, a professora Cristina Ponte, uma pessoa iluminada e com uma grande entrega a estas problemáticas. A Cláudia Manata Outeiro, outra autora do livro. Ela é professora destacada no IAC e tem uma paixão e grande entrega aos direitos da criança, que não podemos esquecer que passam também pelo digital. E, por fim, a Raquel Palermo, que tem um longo currículo na escrita para crianças. Acabou por ser uma combinação muito interessante de três pessoas com percursos muito distintos, mas que foi a fórmula perfeita para dar asas a este projeto. E este não é um livro convencional, pegando aqui na metáfora do que é a internet e suas hiperligações, construímos um livro dinâmico e interativo, permitindo ao leitor, à criança, ao adulto, tomar decisões a cada passo na história. E essas decisões afetam o desenrolar da história com efeitos para as personagens. Esta particularidade tem aqui uma vertente pedagógica e de reflexão muito interessante quer a criança faça a leitura sozinha, ou em contexto de família, ou de escola.
Pois, porque este livro não permite só um olhar da criança, permite também o olhar do adulto que a educa. É uma ferramenta para ambos. E num mundo completamente online, e com um gap geracional cada vez maior, os pais também andam à procura disto.
Exatamente. Ou seja nós temos essa diferença de idades que tu falas, e isso aconteceu também connosco em relação aos nossos pais, que estão muito mais próximos daquilo que Prensky chamava de “imigrantes digitais”. Mas, agora temos uma outra geração de pais que já é muito mais competente digitalmente falando, mas claro que o gap existe sempre porque é normal, é aquilo que distingue as gerações. Eu acredito no diálogo intergeracional e este livro promove isso. É um facto que desde muito pequeninas as crianças habilmente mexem num ecrã e encontram conteúdos que alinhem com os seus interessem, vejo isso na minha investigação com crianças menores de 8 anos. Mas, cidadania digital vai muito além disso e é aí que o papel dos pais, dos educadores é muito importante, ajudando as crianças a adquirir competências críticas, empatia, comportamentos de segurança que as ajudem a tirar partido de uma boa utilização destes recursos da sociedade do conhecimento. E também será muito positivo aprendermos com elas.
Uma das características que o livro tem de muito importante é que ela é construída numa numa lógica bottom up, isto é, toda história se desenvolve à volta de diálogos reais e das palavras que as crianças usam, das suas dinâmicas, e a partir daí fomos ligando diálogos, construindo e ficcionando a história.
Como decorreu o processo de escrita? 
O que testemunhei em contexto de investigação a par com a experiência da Cláudia com crianças nas escolas e da Raquel também como mãe e escritora foi importante para o processo criativo de escrita. Lemos, relamos, negociamos, reescrevemos. Todas contribuímos com olhares muito inclusivos de modo a ver as diferentes dimensões da infância. Este livro tem um fundamentação científica. Aqui também pudemos contar com a colaboração do centro Internet Segura na revisão da história. Este trabalho a várias mãos foi fundamental tendo em conta os vários caminhos e várias histórias que encontramos neste número 1 da coleção. Houve sempre um trabalho exaustivo de revisão, refazer, reescrever… foi uma aventura muito trabalhosa [risos].
Qual é o feedback que tens tido desta obra?
Muito positivo! Principalmente a Cláudia, que está no IAC, tem feito este trabalho fantástico junto das escolas e das bibliotecas e o feedback é muito positivo quer por pais, professores, e especialmente pelas crianças. Da minha parte, e especialmente em conferências, seminários e palestras tenho tido a oportunidade de falar do livro. As apresentações que temos feito de norte a sul do país, e no mês passado nos Açores, têm contado com profissionais das áreas da comunicação, da psicologia e da educação, e o feedback também é extremamente positivo e encorajador. Porque lá está, o livro tem todos os ingredientes para ser uma ferramenta pedagógica útil e as vendas revelam isso, já que em menos de um ano estamos na segunda edição do livro.
Já há mais que uma edição, e o livro não tem assim tanto tempo, e até onde sei há inclusivamente planos para fazer uma edição internacional…
Ora bem, aí é que é mais complicado. A nível internacional eu já falei com uma investigadora que trabalha para a Comissão Europeia, e ela diz que de facto as crianças precisam deste tipo de narrativas, que vão ao encontro daquilo que é o dia-a-dia delas. É preciso trazer outro tipo de fábulas. Também apresentei o livro em Inglaterra a algumas pessoas, nomeadamente dos centros de internet internacionais. Também estes profissionais têm aqui muito interesse em trabalhar este livro, e até por parte das redes internacionais nas quais eu colaboro. A questão é que traduzir e trazer isto para o mercado internacional tem custos, porque é preciso adequar a linguagem à que é usada lá, pelas crianças de lá. É preciso fazer aqui algumas adaptações e nesse aspecto, envolvendo dinheiro e recursos, as pessoas esperam que o produto seja apresentado mas o processo… é muito difícil alguém dar o passo.
É pena que assim seja. De qualquer das formas parabéns pelo sucesso, fico muito contente!
E já temos uma segunda história escrita, que é sobre os jogos online, com o Tiago, como personagem principal. No primeiro número a personagem principal da história é a Marta, uma rapariga, e as redes sociais, porque o que as pesquisas nos dizem e que o terreno mostra é que, de facto, o território das redes sociais é marcadamente mais feminino e o dos jogos, mais masculino, embora com as suas nuances. Nós pensamos seguir um bocado essa lógica embora não numa perspetiva de exclusão, mas tínhamos que fazer aqui algumas escolhas.
Muito bem, que boas novidades me estás a contar! Mas esse já está em fase de escrita?
Está já escrito. Mas o trabalho ainda não terminou. Tendo em conta a celeridade com que a tecnologia avança e com ela a forma como as crianças incorporam tendências e moldam prática, o processo de escrita e revisão é um trabalho exaustivo até ao dia de ir para a gráfica, porque também há essa responsabilidade da nossa parte.
Tu abdicaste dos teus direitos de autor a favor do IAC.
Sim. Tendo em conta os valores e missão do IAC para mim fazia sentido fazê-lo desta forma.

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