segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

Nova moda das redes sociais põe em risco vida de adolescentes

Shutterstock

Artigo Cátia Carmo para o site Delas.pt, de 16 de janeiro de 2018, .

A tendência de seguir desafios nas redes sociais que colocam em risco a própria vida parece ter vindo para ficar. O primeiro ganhou popularidade em 2007 e consistia em comer uma colher de sopa de canela, sem a ajuda de água. Seguiu-se o jogo da Baleia Azul, que incitava os jovens a superar 50 testes perigosos e causou vítimas mortais em Portugal e, em setembro do ano passado, apareceu o desafio do gelo e sal, que incentivava os adolescentes a queimarem-se com estes dois ingredientes e a partilhar a imagem nas redes sociais. Agora surgiu, nos EUA, o ‘tide pod challenge’, que consiste em mastigar pastilhas com detergente, quer sejam para as máquinas de lavar roupa ou louça.

Nos vários vídeos espalhados pelas redes sociais pode ver-se que, depois de mastigarem as pastilhas, os jovens forçam-se a vomitar para impedir que o detergente se espalhe pelo organismo. A ideia surgiu depois de o The Onion, um jornal satírico norte-americano, ter brincado com o “aspeto delicioso” das pastilhas. Só desde o início do ano, segundo dados da Associação Americana de Centros de Controlo de Veneno citados pelo The Washington Post, 37 adolescentes foram para o hospital depois de ingerirem componentes destas pastilhas. Metade dos casos foram intencionais. Marc Pagan, de 19 anos, foi um deles.

“Muitas pessoas me disseram que fui estúpido ou perguntaram por que estive disposto a fazer isso. Ninguém deve colocar coisas daquele género na boca“, desabafou Mar Pagan, ao The Washington Post, depois de ter participado e sobrevivido ao desafio.


Por que razão os jovens alinham nestes desafios?

Este tipo de pastilhas contém etanol, polímeros e peróxido de hidrogénio. Todos eles componentes que podem colocar em risco qualquer vida humana. Ainda assim, e apesar de todos os alertas, os adolescentes continuam a querer participar nestes desafios.

“Durante o período da adolescência, a partir dos 13 anos, os jovens querem assumir a sua imagem, assumir-se como indivíduo, e efetivamente começam a entrar nestes desafios com o objetivo de serem vistos pelos outros, serem mais sociais, terem mais visualizações e afins”, explicou ao Delas.pt a psicóloga Raquel Ferreira.

Ainda não há registo de casos do ‘Tide Pod Challenge’ em Portugal, mas nunca é demais prevenir e, para isso, na opinião da especialista é necessário diálogo no seio das famílias.

“O trabalho de prevenção e sensibilização para este tipo de coisas devia começar sempre em casa, desde muito pequenos. Defendemos muito uma comunicação transparente em que, desde que as crianças são pequeninas, existe um espaço de comunicação e partilha entre família onde se possa comunicar e conversar sobre qualquer tema que tanto os pais como os filhos considerem pertinente e possam discutir em conjunto”, sublinhou a psicóloga.

Se o seu filho andar com comportamentos estranho, desconfie. “Sempre que temos uma criança ou adulto com um determinado padrão de comportamento que, subitamente, é alterado, é sinal de que existe um problema. Depois é preciso perceber de que tipo de problema estamos a falar. Isto é bastante visível“, acrescentou Raquel Ferreira.


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Dicas da Google para manter a família protegida na Internet

  • Converse com a sua família sobre a segurança online: estabeleça regras e expectativas em torno da tecnologia e as consequências de um uso inapropriado. E mais importante, certifique-se de que eles se sentem suficientemente confortáveis para perguntar sempre que sejam confrontados com decisões difíceis.
  • Utilize a tecnologia em conjunto: esta é uma boa forma de ensinar segurança online e cria oportunidades para falar de temas relacionados com a segurança com a sua família à medida que vão surgindo.
  • Proteja palavras passe: ajude a sua família a conhecer melhor como definir palavras passe seguras online. Relembre-os de não entregarem as suas palavras passe, exceptuando a adultos de confiança, como por exemplo o pai ou a mãe.
  • Utilize as definições e controlos de partilha: existem muitos websites para partilharem pensamentos, fotografias, vídeos, estados de espírito e muito mais. Muitos destes serviços proporcionam controlos e definições de privacidade que o ajudam a decidir quem pode ver o seu conteúdo mesmo antes de o publicar.
  • Verifique as restrições de idade: muitos serviços online – incluindo a Google – têm limites de idade, limitando quem pode utilizar estes serviços. É necessário, por exemplo, cumprir alguns requisitos de idade para se ter uma conta Google e alguns produtos estão limitados a maiores de 18 anos.
  • Ensine a sua família a comunicar de forma responsável: aqui está uma boa regra de ouro: se você jamais diria algo em particular, cara a cara, não o faça por texto, e-mail, mensagem instantânea ou post, como um comentário na página de alguém.
  • Fale com outros adultos: fale abertamente com os seus amigos e familiares, professores. Outros pais e profissionais que trabalham com crianças podem ser uma grande ajuda para ajudá-lo, em especial caso se trate de uma área de tecnologia que não lhe é familiar.
  • Proteja a sua identidade e o seu computador: utilize software anti-vírus e actualize-o regularmente. Fale com a sua família sobre qual a informação que não deve ser divulgada online – telefones, morada, etc.
  • Ajuste-se à medida que a tecnologia evolui: mantermo-nos seguros não é algo que se faça apenas uma vez. A tecnologia evolui tal como as necessidades da sua família. Assegure-se que mantém sempre uma diálogo constante.


quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

Os mitos educativos que estão a deixar as crianças viciadas em tecnologia

Imagem da International Telecommunication Union


Notícia de Ana Cristina Marques para o Observador, em 16 de janeiro de 2018.

Há mitos na educação que a ciência rejeita e que ajudam a propagar o vício precoce nas tecnologias digitais. Não, a criança não precisa de smartphones para estimular a sua "inteligência ilimitada".

Dois dos maiores investidores da Apple enviaram, esta semana, uma carta aberta à empresa com um pedido explícito e desconcertante: combater o crescente vício das crianças face ao uso do iPhone e da internet (redes sociais incluídas). A Jana Partners e o California State Teachers’ Retirement System — que, juntos, controlam 2 mil milhões de dólares de ações da Apple — pediram a criação de ferramentas adequadas. Em resposta, um responsável de comunicação da gigante de tecnologia disse que a empresa “sempre se preocupou com as crianças e trabalha arduamente para criar produtos que inspirem, entretenham e eduquem as crianças“.

Nos últimos anos tem proliferado a ideia de que as aplicações e os dispositivos chamados “inteligentes” podem potenciar a inteligência das crianças — “ ideia” porque, ao contrário do que se possa pensar, são muitas as teorias sem real base científica. Catherine L’Ecuyer, investigadora na área da educação e autora do novo livro Educar na Realidade, defende que as empresas que distribuem ferramentas digitais fazem-no sob a premissa de que estas promovem a estimulação precoce das crianças. “Dizem-nos que os nossos filhos têm um potencial ilimitado, que devemos aproveitar ao máximo a ‘janela de oportunidade’ dos três primeiros anos. Dizem-nos que estas aplicações se adaptam ao estilo de aprendizagem dos nossos filhos e ajudam a desenvolver cada um dos hemisférios cerebrais”, escreve L’Ecuyer na nova obra.

As afirmações acima descritas — que a cultura popular ajudou a propagar — não passam de neuromitos, verdades infundadas, teorias com as quais a ciência não se identifica. Segundo a autora, grande parte da população não sabe que estes e outros argumentos de venda, que ajudaram a garantir o sucesso comercial de produtos tecnológicos, “carecem de fundamento educativo-científico”.


“A criança tem uma inteligência ilimitada”. Esses e outros neuromitos

Os neuromitos são aquilo que a OCDE descreve como “más interpretações geradas por um mau entendimento, uma leitura equivocada e, em alguns casos, uma deformação deliberada dos factos científicos com o objetivo de usar a investigação neurocientífica na educação e noutros contextos”. São interpretações que ocorrem na literatura popular e que acabam por criar premissas falsas sobre as quais se constroem métodos educativos, diz a autora citada.

“A criança tem uma inteligência ilimitada” e “A criança só usa 10% do seu cérebro” são dois exemplos de neuromitos apresentados pela autora, que assegura que a sua rápida difusão resulta da “vaidade e da dificuldade em reconhecer as limitações humanas”. L’Ecuyer cita o professor de neurociência cognitiva Barry Gordon, investigador na Universidade do Hospital Johns Hopkins, que assegura que “usamos, virtualmente, cada parte do cérebro” e que “quase todo o cérebro está ativo quase sempre”. O neuromito apresentado difundiu-se a grande velocidade e prova disso é o estudo da Nature, de 2014, que mostrou que 48% dos professores ingleses (46% na Holanda, 50% na Turquia, 43% na Grécia e 59% na China) acreditavam nele.

O mito de que utilizamos apenas 10% do cérebro, em particular, tem persistido ao longo dos anos. Em 2014 estreava nas salas de cinema o filme Lucy, interpretado por uma Scarlett Johansson cuja capacidade evolutiva do cérebro está no centro da história. “Estima-se que a maioria dos seres humanos use apenas 10% da capacidade cerebral. Imagine se conseguíssemos ter acesso a 100%. Aconteceriam coisas interessantes”, é uma das falas no filme, uma deixa do professor Norman, interpretado por Morgan Freeman.

“Talvez o mito seja perpetuado porque as funções de que temos consciência – memória, capacidade cognitiva, visão ou linguagem – estão em regiões bem demarcadas no cérebro. Mas há muitas atividades comandadas pelo nosso cérebro que não são conscientes, como o equilíbrio ou o ritmo cardíaco”, disse João Relvas, neurocientista no Instituto de Biologia Molecular e Celular, ao Observador em 2014. “Além disso, há muitas funções que não são exclusivas de uma única parte do cérebro.”

José Ramón Gamo, neuropsicólogo infantil, e Carme Trindade, professora na Universidade Autónoma de Barcelona, são coatuores do livro Neuromitos en Educación. Citados pelo El País, escrevem que a “neurociência demonstrou que, na realização de tarefas, utilizamos 100% do nosso cérebro” e que “tecnologias como a ressonância magnética ajudaram a conhecer melhor os níveis de atividade cerebral e provaram que somente em casos de danos graves provocados por uma lesão cerebral é que se observam áreas inativas no cérebro”.




Outro neuromito listado pela OCDE é aquele que defende que cada hemisfério é responsável por um estilo de aprendizagem diferente. Segundo a teoria da dominância cerebral, que carece de base científica, “as pessoas que usam mais o hemisfério direito são mais criativas e artísticas, enquanto as que usam mais o esquerdo são mais lógicas e analíticas”. Escreve L’Ecuyer que são vários os estudos que descredibilizam esta teoria, ainda que haja atividades adjudicadas a mais um hemisfério do que a outro (como é o caso da linguagem face ao hemisfério esquerdo). Não só os estudos observam que o cérebro trabalha como um todo, como a autora assegura não existirem provas de dominância cerebral nas pessoas, “o que, supostamente, teria repercussões no estilo de aprendizagem”.

A autora dá como exemplo um estudo de 2013, realizado a 1.000 pessoas dos 7 aos 29 anos, que não encontrou prova de dominância cerebral. O diretor do estudo e professor de neurorradiologia na Universidade do Utah, Jeff Anderson, disse: “A comunidade neurocientífica nunca aceitou a ideia de tipos de personalidade com dominância cerebral direita ou esquerda. Os estudos de lesões cerebrais não sustentam essa teoria, e a verdade é que seria altamente ineficaz se uma parte do cérebro fosse, sistematicamente, mais ativa do que outra”.

Nem de propósito, em março do ano passado 30 académicos dos universos da neurociência, educação e psicologia assinaram uma carta publicada no britânico The Guardiam onde expressavam preocupação tendo em conta a popularidade do método de aprendizagem em causa. De acordo com o artigo, os cientistas apelavam para que os professores abandonassem este neuromito, já que ensinar as crianças de acordo com o “estilo de aprendizagem individual” não obtém melhores resultados e deve ser, por isso, posto de lado em detrimento de práticas baseadas em evidências científicas.

Na mesma lógica, também se qualificam como neurotimos as seguintes premissas: “Um ambiente enriquecido aumenta a capacidade do cérebro para aprender” e “Os três primeiros anos são críticos para a aprendizagem, portanto, são decisivos para o desenvolvimento posterior”. No livro, L’Ecuyer cita um artigo da Nature Review Neuroscience, de 2006, onde se lê:

“O mito do ‘período crítico’ sugere que o cérebro da criança não funcionará adequadamente se não receber a quantidade adequada de estímulos no momento correto. O ensino de algumas habilidades deve ocorrer durante esse período crítico, caso contrário a janela de oportunidade de educar estará perdida. O mito da sinaptogénese (processo de formação das sinpases no cérebro) promove a ideia de que se pode aprender mais se o ensino coincidir com os períodos deste processo. (…) É preciso eliminar estes mitos.”

O principal argumento que suporta esta ideia falsa, escreve a autora, é a plasticidade do cérebro. “Isto é um facto, mas hoje sabemos que isto ocorre durante toda a vida e não apenas nos primeiros anos”. No entanto, o verdadeiro problema, para L’Ecuyer, surge quando a sociedade dá mais importância ao ganho de conhecimento durante este período, feito sobretudo através do ecrã, em vez da dimensão afetiva. É importante relembrar que o bom desenvolvimento de uma criança não está diretamente relacionado com a quantidade de informação que recebe, mas sim com o modelo de vinculação que tem com o seu cuidador.

“Durante os primeiros anos de desenvolvimento, os padrões de interação entre a criança e o cuidador são mais importantes do que um excesso de estimulação sensorial. A investigação sobre a vinculação sugere que a interação interpessoal colaborativa, e não a estimulação sensorial excessiva, é a chave para um desenvolvimento saudável”, diz Daniel Siegel, psiquiatra, biólogo, professor e membro executivo do Centro para a Cultura, o Cérebro e o Desenvolvimento da UCLA, citado no livro Educar na Realidade.


As consequências da adição ao ecrã na primeira infância

Já antes Catherine L’Ecuyer falou com o Observador, quando disse em entrevista que as crianças “estão a viver como pequenos executivos stressados”, a propósito do livro Educar na Curiosidade. Nesta obra, que chegou no início de 2017 a Portugal, a autora defende que o excesso de estímulos associados às novas tecnologias inibem a curiosidade natural das crianças — em situações mais extremas pode dar-se o caso de as crianças passarem a depender de estímulos externos, sendo que o próximo passo é a adição e a perda da curiosidade que, por sua vez, dificulta o processo da aprendizagem.

Serve isto para explicar que na sua mais recente obra, L’Ecuyer explica que as crianças precisam, sobretudo, de estabelecer relações saudáveis com os seus cuidadores e que os ecrãs são, por vezes e de certa forma, um obstáculo à criação de laços vinculativos, sobretudo quando falamos da primeira infância. “O principal cuidador da criança é o intermediário entre a realidade e ela. Dá sentido às aprendizagens. Um ecrã não pode assumir esse papel porque não faz a calibragem da informação à criança.”

Para salientar a importância desta problemática, L’Ecuyer apresenta um estudo realizado no Reino Unido em 2012, que mostra que 27% das crianças dos 0 aos 4 anos usam computador e 23% usam a internet. A autora dá ainda conta de investigações que demonstra que “as crianças pequenas não aprendem palavras ou outros idiomas com os DVD, por muito ‘educativos’ que possam ser”, e fala de estudos que estabelecem uma “relação entre o consumo dos DVD prentensamente educativos e uma diminuição no vocabulários dos bebés e no seu desenvolvimeno cognitivo”. Não é por acaso que a Academia Americana de Pediatria recomenda que as crianças evitem o consumo de ecrãs até aos dois anos — para as crianças com mais de dois anos, a Academia recomenda limitar o consumo a menos de duas horas por dia.

Como estas investigações há outras. Aliás, os dois investidores da Apple que escreveram a já referida carta, publicada no início da semana em defesa das crianças, apoiaram-se em três estudos diferentes para o efeito, tal como escreve a Business Insider:


  • um estudo de 2014, que envolveu 100 pré-adolescentes, permitiu perceber que a metade que ficou sem acesso a tecnologia durante cinco dias teve ganhos significativos de empatia;
  • outro estudo, de 2017, teve por base um inquérito a 1.800 jovens adultos e encontrou uma relação linear entre a quantidade de redes sociais usadas e a fraca qualidade da saúde mental;
  • a última investigação citada determinou que 86% dos americanos admite verificar “constantemente” os dispositivos digitais, o que aumenta, na maior parte dos casos, o stress (o inquérito online foi feito a mais 3.500 pessoas com mais de 18 anos); e mais de metade dos pais questionados disse ter preocupações tendo em conta a influência das redes sociais na saúde física e mental dos filhos.


O tema da adição e das consequências associadas ao uso das novas tecnologias na primeira infância está na ordem do dia muito por causa da carta aberta dirigida à gigante Apple, que já fez diferentes meios de comunicação questionarem-se sobre o assunto. A CNN, por exemplo, dá voz a Michael Bociurkiw, escritor regular naquele meio, que passa a batata quente para as mãos da Apple, empresa que precisa de “garantir que as crianças deixem de se viciar nos smartphones“. No artigo de opinão, Bociurkwi faz referência a mais estudos que mostram que as crianças de dois anos que usam tablets estão a ter problemas de concentração, dificuldades em mostrar empatia e até em ler expressões faciais. Em cima da mesa estão também consequências como a depressão e os diabetes, derivadas da imersão em ecrãs — os cenários descritos tendem a ser mais gravosos em famílias com menos posses.

Curiosamente, o britânico The Guardian recorda esta semana a entrevista que Steve Jobs deu em 2010 ao The New York Times, quando disse que os seus filhos não usavam o iPad. “Nós limitamos a quantidade de tecnologia que os nossos filhos usam em casa”. À semelhança de Jobs, também o co-fundador do Twitter e o ex-editor da revista Wired limitam o tempo que os filhos passam de volta do ecrã. “É como Adam Alter escreve no seu livro Irresistible: ‘Parece que as pessoas que criam produtos tecnológicos seguem a regra cardinal do tráfico de drogas — nunca consumir o próprio produto'”, lê-se no The Guardian.

Quem também não deixa os filhos usar as redes sociais é Chamath Palihapitiya, ex-vice-presidente do Facebook para a área de expansão de utilizadores, que numa conferência na Stanford Graduate School of Business, em dezembro último, afirmou que as redes sociais, consideradas uma máquina que “explora vulnerabilidades na psique humana”, estão “destruir as bases da sociedade”.

Numa situação sem precedentes, o relatório anual “Situação Mundial da Infância” da UNICEF, divulgado em dezembro de 2017, foi todo ele dedicado ao impacto da tecnologia digital nas crianças. Entre as principais conclusões encontram-se as seguintes ideias:


  • um em cada três utilizadores de internet no mundo é uma criança;
  • os jovens pertencem ao grupo mais conectado;
  • muitas crianças têm uma pegada digital ainda antes de conseguirem falar ou andar;
  • “A tecnologia digital pode ser uma mais-valia para crianças desfavorecidas, ao proporcionar-lhes novas oportunidades para aprender, socializar e até para se fazerem ouvir — ou pode ser mais uma linha divisória. Milhões de crianças são deixadas de fora de um mundo cada vez mais conectado”.


Se em abril de 2013 a publicação The Atlantic falava numa geração “touch-screen”, tendo em conta crianças pequenas, hoje em dia há quem fale numa “geração cordão”, referindo-se a crianças e adolescentes que não se conseguem desligar. Sem diabolizar as novas tecnologias, duas psicólogas portuguesas — Ivone Patrão e Rosário Carmona e Costa, autoras dos livros #Geraçãocordão – A geração que não desliga! e iAgora? Liberte os seus Filhos da Dependência dos Ecrãs, respetivamente — chegaram a conversar com o Observador sobre a problemática do uso excessivo das novas tecnologias e a sua influência em diversos aspetos da vida dos mais novos — desde as relações sociais e familiares às novas formas de estudo.

À data, Ivone Patrão referiu um estudo do ISPA – Instituto Universitário, por ela orientado, que determinou que 25% dos adolescentes portugueses (tendo em conta uma mostra de três mil inquiridos) são viciados em tecnologia.


O problema da multitarefa

“Gostaríamos de acreditar que a nossa atenção é infinita, mas não é. Multitasking é um mito persistente. O que realmente fazemos é mudar rapidamente a nossa atenção de tarefa em tarefa”, escreveu Maria Konnikova, autora do livro Mastermid: How to Think Like Sherlock Holmes, num artigo de opinião no The New York Times, datado de 2012. O estrangeirismo é utilizado para descrever a capacidade de fazer mais do que uma tarefa ao mesmo tempo e, se em tempos teve em voga, agora perde terreno para o monotasking, já considerado o termo do século XXI para prestar atenção.

Catherine L’Ecuyer concorda: no livro já citado, diz que a multitarefa é tida como uma crença popular que ganhou terreno na nossa sociedade, muito embora não passe de um mito — as crianças até podem ser nativas digitais mas, ao contrário do que os pais possam pensar, isso não faz delas forçosamente melhores na multitarefa do que os adultos. “Também eles [os nativos digitais] oscilam entre as diferentes atividades tecnológicas que realizam, e essa oscilação tem o mesmo custo que tem para os adultos”, assegura L’Ecuyer.

E que custos são esses? De acordo com um estudo publicado em 2014, no Journal of Experimental Psychology, interrupções de apenas dois ou três segundos são o suficiente para os participantes duplicarem os erros cometidos durante determinada tarefa. A isso acrescentam-se a investigação da Universidade da Califórnia — que mostrou que trocamos de tarefas cerca de 400 vezes por dia, daí estarmos tão cansados à noite — e o estudo da Universidade de Stanford, que concluiu que os alunos “que fazem multitarefa tecnológica obtiveram piores resultados em todos os parâmetros”.

A última palavra fica a cargo de Catherine L’Ecuyer: “Um estudo que compara vários parâmetros cognitivos conclui que, hoje, uma criança de 11 anos tem um rendimento ao nível de uma criança de 8 ou 9 anos de há… 30 anos! É preciso ver que papel podem ter tido os neuromitos, os ecrãs e a multitarefa nessa mudança”.

terça-feira, 9 de janeiro de 2018

Raparigas partilham fotos íntimas porque são pressionadas por eles: um artigo do Público

NUNO FERREIRA SANTOS


Artigo de Rita Marques Costa para o jornal Público, em 8 de janeiro de 2018:

Pressão, manipulação e ameaças são as estratégias adoptadas pelos rapazes adolescentes para obter fotografias íntimas das raparigas. As jovens sabem que devem dizer não mas muitas vezes cedem, diz estudo. Especialistas avisam que a prática é cada vez mais comum entre os jovens portugueses, que muitas vezes não estão conscientes dos perigos.

“Por favor, ajudem-me… Eu gosto mesmo deste rapaz, mas ele usa-me. Está sempre a falar de sexo, quer fotos minhas e fica chateado quando não o faço. O que devo fazer? Estou tão confusa…” Este é um dos excertos publicados no estudo de uma investigadora norte-americana da Northwestern University, Sara Thomas, que avalia as razões que levam as raparigas adolescentes a enviar fotografias íntimas de si próprias ou a optar por não fazê-lo.

Os 462 depoimentos analisados foram deixados no site A Thin Line – uma iniciativa do canal MTV para combater o bullying digital e outros abusos entre adolescentes – entre 2010 e 2016, por raparigas que tinham, em média, 15 anos.

Quase 40% das jovens que recorreram à plataforma para partilhar a sua experiência justificaram o envio de fotos íntimas com a coerção exercida pelos rapazes. Na maior parte das vezes, na forma de pressão e ameaças.



A vontade de agradar o namorado ou conquistar um potencial parceiro e a persistência dos remetentes também figuram como motivações para estas jovens.

Em Portugal, apesar do fenómeno ainda ser pouco estudado, alguns psicólogos e investigadores que trabalham a área do ciberbullying arriscam dizer que a realidade não será muito diferente da descrita no estudo.

Quanto às motivações para a partilha, em muitos casos, “não o fazer é demonstrar fraqueza”, diz Tito de Morais, responsável pelo projecto Miúdos Seguros na Net. Luís Fernandes, psicólogo na Associação Sementes de Vida, reforça que há uma grande “vontade de agradar”.


Desejo também conta

O fenómeno é tão comum “que os pais nem imaginam”, nota Luís Fernandes. O psicólogo adianta que, por enquanto, esta será uma tendência “crescente”.

Porém, se é verdade que existe este lado negro da exposição e abuso, também há que ter atenção para não “diabolizar” a prática, nota Tito de Morais. O especialista detalha que esta é “uma forma dos jovens expressarem a sua sexualidade”, cada vez mais comum e na maior parte das vezes “não tem consequências”.

Para Sónia Seixas, doutorada em psicologia pediátrica pela Universidade de Coimbra, as experiências com a sexualidade e o corpo do outro, comuns na adolescência, passam a “deixar um rasto digital, quando antes eram estritamente presenciais”. Isto faz com que partilhas, neste caso de fotos íntimas, que inicialmente eram inocentes podem tornar-se abusivas com o fim de uma relação.

A psicóloga admite que quando as imagens são divulgadas publicamente, a situação é vista como “humilhante” para as raparigas. Já para os rapazes esse não é o caso. “Ainda se nota esta dinâmica”, mas “as mentalidades estão a mudar”, comenta Sónia Seixas.


Aceitam termos impostos pelos rapazes

Ainda assim, no estudo da investigadora norte-americana, só em 8% dos depoimentos analisados as raparigas disseram ter enviado as suas fotografias íntimas por desejo.

A investigadora resume no seu estudo: “quando confrontadas com este tipo de pressão, as raparigas aquiescem aos termos impostos pelos rapazes no que diz respeito ao envolvimento romântico e sexual”. Contudo, “se bem que a maioria das raparigas assume a responsabilidade de negociar e gerir todas estas pressões, também reportam alguma confusão e insuficiência de recursos para lidar com este tipo de questões”.

Quanto à intensidade dos fenómenos de coerção noutros países, Sara Thomas comenta ao PÚBLICO que “há mais países que têm de lidar com este fenómeno”. Contudo, não é algo exclusivo de uma faixa etária. “Se acontece entre adultos, também vai acontecer entre jovens.” 


Estratégias para os pais e adolescentes

Apesar das estratégias de “sexting seguro” que alguns sugerem, como não captar o rosto ao tirar este tipo de fotografias ou utilizar plataformas onde o período de vida das imagens é limitado, ainda é possível ver o remetente das imagens ou fazer uma captura de ecrã. Tito de Morais diz que compreende esta prática, mas não a recomenda “nem a jovens nem a adultos”.

A educação ocupa um papel importante na prevenção deste tipo de comportamentos.  Especialmente no sentido da “assertividade” para que os jovens percebam que não devem fazer aquilo que não querem ou não acham correcto.

Mas quando o mal está feito e as vítimas são os jovens, há várias coisas que podem ser feitas. Para já, “a comunicação é essencial”. Os jovens devem saber com quem contar e quando já há um canal de comunicação “é mais fácil”, diz Luís Fernandes.

Os pais também devem estar atentos aos comportamentos dos jovens. “Quando os miúdos começam a evitar as tecnologias, mostram-se nervosos e manifestam alterações de comportamento” há motivos para desconfiar. O facto dos pais serem pouco conhecedores do mundo digital não ajuda. 

segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

São cadas vez mais novas as crianças cuja felicidade depende do número de "gostos" nas redes sociais

DR


Artigo de Cátia Leitão para a Revista Visão, em 4 de Janeiro de 2018:

Novo estudo realizado no Reino Unido sugere que as crianças entre os 8 e os 12 anos estão a tornar-se viciadas nas redes sociais e que os 'gostos' no Facebook e Instagram funcionam como uma validação social para elas.

Entre outubro e novembro, Anne Longfield, comissária das crianças em Inglaterra, desenvolveu uma pesquisa com o objetivo de perceber o impacto que as redes sociais têm atualmente no bem-estar de uma criança entre os 8 e os 12 anos, especialmente no que diz respeito à autoestima. Esta investigação analisou 8 grupos com 32 crianças e concluíu que apesar da idade mínima para um indivíduo se registar numa rede social ser de 13 anos, há um número cada vez maior de crianças com menos de 12 anos que já têm uma conta própria e que procuram aprovação social através dos 'gostos'.

Esta investigação foi realizada com base em entrevistas feitas às crianças. Para que estas se sentissem à vontade e mais disponíveis para responder às perguntas colocadas, os investigadores juntaram todas as crianças em pares com alguém que estas já conhecessem, como por exemplo um amigo ou colega de escola. Mas antes disso, tanto as crianças como os respetivos pais teriam de completar um conjunto de tarefas para que os autores ficassem a saber mais sobre o estilo de vida, comportamento e relação de cada família com as redes sociais.

Os investigadores chegaram à conclusão que existiam vantagens e desvantagens no uso das redes sociais por parte das crianças. Por um lado, "percebeu-se que as redes sociais têm um efeito positivo no bem-estar das crianças e permite-lhes fazer coisas que elas gostam como de se manter em contacto com os amigos e estar ocupado", segundo o estudo. Mas, por outro lado, "tem um efeito negativo porque leva as crianças a preocuparem-se com coisas sobre as quais não têm qualquer controlo" como explica Anne Longfield ao dizer que "as redes sociais providenciam grandes benefícios, no entanto, também expõem as crianças a riscos emocionais muito significantes".

3 em cada 4 crianças com menos de 12 anos tem uma conta própria numa rede social apesar de a idade mínima de registo seja de 13 anos. O estudo descobriu também que as redes sociais mais utilizadas por esta faixa etária são o Snapchat, Instagram e Whatsapp. As crianças entre os 8 e os 10 anos ainda estão a descobrir como funcionam as redes sociais e por isso mesmo ainda não desenvolveram o hábito de verificar estas aplicações frequentemente. Nestas idades, os mais novos ainda acedem à internet a partir dos dispositivos móveis e das contas dos pais e admitem ter um tempo limite para usar as mesmas. Mas, os mais pequenos revelam que usam a internet para jogar com os amigos, explorar as surpresas das redes sociais - como os filtros - e ver vídeos para descobrir coisas para fazer.

Na faixa etária entre os 10 e os 12 anos o caso muda completamente de figura. Nestas idades as crianças já têm mais noção de como usar as redes sociais e começam a fazê-lo a partir dos seus próprios dispositivos móveis. Enquanto os mais novos apenas usam a internet depois da escola, neste grupo as crianças passam a usá-la quando querem mesmo durante o período escolar. É nesta idade que começam a sentir pressão social para usar as redes sociais com o objetivo de se tornarem populares e passam a dar mais importância aos 'gostos' e à aprovação social que estes trazem.

A comissária Longfield avisa os pais que "lá porque as crianças aprenderam algumas coisas sobre segurança na escola primária não significa que estejam preparadas para os desafios que as redes sociais apresentam" e acrescenta ainda que as escolas têm de se "certificar que as crianças estão preparadas para as exigências emocionais das redes sociais. O que significa que as companhias das redes sociais também têm de assumir uma maior responsabilidade". Anne Longfield acredita que se os pais, as escolas e as companhias não tomarem medidas, existe um grande risco de "deixar crescer uma geração de crianças que persegue 'gostos' para se sentir feliz e apenas se preocupa com a aparência e imagem devido ao estilo de vida irrealista que vê nas plataformas como o Instagram e Snapchat". Além disso Anne alerta ainda que isto tudo pode aumentar significativamente os estados de ansiedade nas crianças caso estas não consigam responder às exigências das redes.

O estudo inclui ainda frases das crianças inquiridas com o objetivo de alertar os pais para os pensamentos dos filhos. Harry tem 11 anos e diz que "se não usarmos coisas caras e de designer as pessoas gozam" mas "quando chegamos aos 50 'gostos' começamos a sentir-nos bem porque isso significa que as pessoas acham que ficámos bem naquela fotografia". Bridie, também com 11 anos, admite que usa as redes sociais cerca de 18 horas por dia e acrescenta ainda que "vi uma rapariga muito bonita e quero tudo o que ela tem, quem me dera ser como ela. Quero as coisas dela, a casa dela e a maquilhagem da MAC que ela tem. Vê-la faz me sentir aconchegada".

As redes sociais fazem com que as crianças criem uma ideia de um mundo irreal onde podem ter tudo aquilo que desejam. Para chegar a esse ponto, acreditam que têm de ser aceites no mundo social da internet e que os 'gostos' são o meio para ter a validação que tanto procuram. Para evitar este tipo de ilusões nas crianças, a investigação sugere algumas medidas para os pais como falar com as crianças sobre os aspetos positivos e negativos das redes sociais e fazê-las entender as diferenças entre a aparência e a realidade para tentar combater a pressão que as crianças colocam nelas próprias.

Esta pesquisa integra o relatório "Life in Likes" publicado hoje por Anne Longfield, comissária das crianças de Inglaterra - um cargo independente do Governo com o objetivo de ajudar a melhorar a vida das crianças a longo prazo, principalmente das mais vulneráveis.