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Artigo de Opinião de Francisco Sena Santos, em 27 de agosto de 2018, para o Sapo 24.
O novo ano escolar em França arranca com uma novidade que está a gerar grande discussão e irritações: a proibição do uso de telemóveis em escolas e colégios.
A interdição sobrepõe-se a regulamentos internos dos estabelecimentos de ensino, tem força de lei, aprovada no parlamento francês no passado 7 de junho, com os votos favoráveis da maioria absoluta do partido En Marche!, do presidente Macron, e o voto contra das oposições. A lei, com texto muito curto que se limita a impor a interdição, no entanto, não define como será garantida a aplicação desta interdição de uso de telemóveis “e outros recursos conectados” nas 51.000 escolas e 7.100 colégios de França, que têm 10 milhões de alunos. Um estudo mostra que quase todos esses estudantes têm telemóvel.
O telemóvel tornou-se uma extensão do corpo de cada pessoa. A função do aparelho como telefone é hoje quase secundária. O que conta é estar em permanência ligado aos outros, através de uma qualquer das redes sociais. Poder trocar mensagens, ver imagens e ouvir sons, músicas. Através do telemóvel, os tantos utilizadores dependentes estão numa espécie de praça pública permanente, com um teatro de exibições onde tudo pode acontecer; também estão numa sala de todo o tipo de jogos, para além de acederem a novas do mundo, as notícias verdadeiras e as mentiras disfarçadas de notícia. O ecrã do telemóvel também possibilita o acesso a um poço sem fim de saberes humanos armazenados na rede da internet.
É paradoxal que um lugar de promoção do culto do saber fique interdito ao recurso a uma ferramenta que dá acesso a tanto saber. É, porém, indiscutível que por toda a parte o uso do telemóvel é um fator de perturbação e um convite à desatenção sobre a matéria que está a ser ensinada. Cada alerta recebido no ecrã leva a um desvio na participação na aula.
Do ponto de vista pragmático, a interdição do telemóvel na escola talvez seja a medida mais fácil. Não será a opção mais eficaz nem a mais pedagógica.
Talvez seja preciso que entre as matérias trabalhadas na escola esteja o uso do telemóvel e o recurso aos ecrãs e ao teclado associado. A dependência do smartphone tende a tornar-se um problema de saúde pública. Quantas vezes em cada dia, do despertar ao voltar a adormecer, consulta o que aparece no seu ecrã? Estão estudados efeitos nefastos decorrentes da híper-conetividade, ou seja, da dependência de estar ligado ao que se passa no mundo que acontece no telemóvel. A quebra da capacidade de concentração é o efeito mais imediato. A perturbação pode ser mais complexa, com efeitos psicossociais e fragilidades depressivas.
Obviamente, na escola, o essencial é a transmissão de saberes e de modo de estar na vida em sociedade. O canal de distribuição desse saber não é o problema, o que importa é que funcione. Essencial é que a palavra, a troca de ideias, o espírito crítico, os saberes, sejam privilegiados.
A proibição do uso do telemóvel esconde a falta a um dever: o de educar os jovens para a utilização do telemóvel, o de promover o discernimento e a emancipação de cada pessoa, ensinando-a a libertar-se da poluição mental provocada pelo estado compulsivo de dependência do telemóvel.
Há que ter em conta que a economia deste tempo da web explora essas dependências. Trata de tentar “fazer-nos a cabeça”, propagando e inculcando os interesses de quem funciona como vendedor. Há que ponderar as escolhas a fazer e os caminhos a percorrer.
O que parece ser um ponto de partida a procurar é o que entende que mais relevante que proibir é que a escola cumpra com eficácia a promoção da soberania da pessoa que é cada aluno. Incluindo cultivar o gosto do silêncio como um tempo próprio.
Uma pergunta a fechar: quantos alertas para nova mensagem terá recebido enquanto tentou pensar nas questões em volta deste assunto?