quinta-feira, 25 de outubro de 2018

Menino morre a realizar desafio do Youtube que incentiva jovens a sufocar-se

Photo by Carlos Arthur on Unsplash



Notícia publicada no jornal Correio da Manhã em 23 de outubro de 2018.



"Choking Challenge" nasceu na plataforma de vídeos e está a tornar-se um fenómeno perigoso entre as crianças dos EUA.

Carson Bodkins, um menino de 11 anos, morreu enquanto realizava o "choking challenge" ("desafio do sufoco" em português), uma nova prática perigosa e viral que nasceu no Youtube e que tem atingido várias crianças nos EUA. A notícia foi confirmada pela própria família do menino, que vivia em Elizabeth, no Colorado. 


Este "jogo", considerado perigoso para a comunidade infanto-juvenil, encoraja os jovens a sufocarem-se a si próprias até perderem os sentidos, e em último caso, a própria vida. 

O menino foi encontrado desfalecido deitado em cima da cama do quarto pela mãe, Tia, que revelou ao The Mirror que a criança se sufocou a si mesma. Agora, os pais da vítima querem alertar outros progenitores para os perigos da Internet e para a importância de prestar atenção aos sinais demonstrados pelos filhos. 

A mãe de Carson, devastada, explicou que naquele dia pensava que o filho estivesse a preparar a mala para uma viagem de família que iam fazer. Como este nunca mais descia, decidiu ir até ao quarto. Quando lá chegou já era tarde de mais: o menino já estava sem sentidos e a perder os sinais vitais. 

"O cérebro dele ficou muito tempo sem oxigénio, então ficou com danos irreversíveis (...) Ainda estamos em choque. Não compreendemos como isto aconteceu...o meu filho era cheio de vida. Era mesmo um bom ser humano", disse. Carson ainda foi levado para o hospital, onde acabou por morrer dias depois. 

quarta-feira, 24 de outubro de 2018

Esta não é uma “notícia falsa”!






Notícias falsas, literacia mediática e outras “estórias”, no último dia da iniciativa “Sete Dias com os Media”, que está a dar mais competências às crianças e aos jovens para se moverem no mundo digital.

Em 30 de outubro de 1938 um programa de rádio provocava o pânico nos Estados Unidos da América. George Orson Welles, um jovem de 23 anos, transmitia uma dramatização radiofónica da novela Guerra dos Mundos, do escritor H. G. Wells. Antes, tinha avisado os ouvintes de que se tratava de uma adaptação da obra de ficção científica que relatava a invasão da Terra por extraterrestres. Apesar do aviso, quem apanhou a transmissão a meio, julgou-a verdadeira.


O episódio, recordado por Maria Emília Brederode dos Santos, presidente do Conselho Nacional de Educação, serviu de mote à discussão, com alunos do Ensino Básico e Secundário, sobre o que são as notícias falsas, conhecidas como fake news, na designação inglesa. O encontro, assinalava o fim da semana “Sete Dias com os Media” que todos os anos, na primeira semana de maio, incentiva escolas, professores, entidades públicas e privadas e todos os agentes educativos a promoverem ações de literacia mediática, ao nível nacional. Por isso, a antiga diretora da programação infantil da RTP fez também uma breve incursão pela história da relação dos públicos com os media: os meios de comunicação social.

Vamos por partes. Em 1957, surgia em Portugal a televisão. E, com ela, muitas incertezas sobre qual o seu impacto nos telespetadores. Receios, por exemplo, que “a pancadaria” dos filmes tivesse um efeito negativo sobre os jovens. Suspeitas de que as eleições presidenciais pudessem ser ganhas pelo candidato que na televisão passasse uma “imagem mais fresca”. A história chega à atualidade.

Com as redes sociais, os receios vão no sentido de perceber os contornos dos monopólios. Já não se fala nas preocupações com os efeitos da rádio e da televisão, onde se foram desenvolvendo regulamentos, “tendo em atenção a necessidade de não beliscar a liberdade de imprensa”, ressalva a presidente do CNE. Agora, o problema da relação com os media coloca-se de outra maneira, “mais complicada porque somos não só consumidores, como produtores”. Publicamos conteúdos na Internet, partilhamos informação e imagens.

Nesta nova realidade, como defender os direitos das pessoas à sua imagem, ao seu bom nome e, ao mesmo tempo, não censurar a liberdade de imprensa? Perante uma plateia de alunos, muitos deles envolvidos no projeto do Ministério da Educação “Líderes Digitais”, que também pretende sensibilizar os alunos para a forma como agem na Internet, Maria Emília Brederode dos Santos, defendia que a resposta passava pela existência de órgãos fiscalizadores, a responsabilização dos jornalistas, ou seja, os profissionais dos media e, claro está, a Educação para os Media. “Nas redes sociais não há regulamentos, não há profissionalismo, porque não somos todos jornalistas, então, é preciso mais sentido de responsabilidade da parte de quem produz e partilha informação.”

Mas estes jovens, que lotaram (porque havia gente de pé), no dia 9 de maio, uma sala da Biblioteca Municipal do Porto, numa tarde soalheira, e ouviram as “estórias” de Maria Emília Brederode dos Santos, aprendem que é preciso usar a Internet com consciência. Quem assume a responsabilidade de ser líder digital, sabe o que tem de fazer, como revelam dois alunos da Escola Básica 2.º e 3.º ciclos de Ílhavo. “Alertamos os nossos colegas sobre os perigos da Internet, mas também para o que ela tem de bom”, resume Maria Bastos, de 13 anos. Ao seu lado, Gabriel Marta, de 12 anos, completa a síntese da colega: “Deparamo-nos, muitas vezes, no dia a dia, com situações em que vemos os colegas irem a sites duvidosos e nós fazemos com que percebam, da melhor maneira, o que é fidedigno e o que não é bom para eles.”

Os alunos são “há muito tempo” utilizadores de redes sociais, como o Facebook, o Messenger, Whatsapp ou o  Instagram, mas é o primeiro ano em que participam no projeto “Líderes Digitais”. Até agora, aprenderam bastante: “Ainda não somos mestres”, ressalva Gabriel. “Mas em relação às fake news, por exemplo, sabemos perfeitamente analisar o que é verdadeiro ou falso e o que é interessante”, acrescenta Maria.

Lígia Azevedo, da Direção-Geral da Educação (DGE), acredita que os alunos portugueses estão a ficar mais competentes em matéria de literacia mediática. Com esse intuito, faz questão de recordar as várias iniciativas que a tutela tem desenvolvido, desde 2004, nesta área. E vai dando, como exemplos, desde o mais recente programa “Incode 2030”, aos “Desafios Segura Net”, ao projeto “Dadus” que, brevemente, será revitalizado, até acabar a lista com o programa “Líderes Digitais”.

“Até agora, foram abrangidos cerca de 400 a 500 mil alunos com esta iniciativa, existe um milhão de alunos, por isso, é uma amostra muito pequena. Mas existem outras vertentes, nomeadamente, estas questões estão integradas no currículo de TIC no 7.º e 8.º anos”, refere a responsável da DGE.

Elsa Maio, professora de Informática e de TIC que também acompanha os líderes digitais, garante que “os temas ligados à educação para os media são muito apelativos para os alunos”. Porquê? A resposta não poderia ser mais óbvia: “Porque abordam os interesses que eles têm para além da escola.” Que são: “As questões ligadas à segurança na Internet. Quando começo a abordar o tema, os alunos prestam muita atenção. Sentem que sabem alguma coisa, mas não estão suficientemente esclarecidos. Também têm os seus receios. E gostam de partilhar as experiências menos positivas e consequências que já sofreram”, responde a professora.

Inimigo do entusiasmo é mesmo o tempo curricular destinado à disciplina: 90 minutos, por semana, durante um semestre, ou 45 minutos semanais, durante o ano. “É insuficiente”, critica Elsa Maio, “não dá para abordar tudo aquilo que gostaríamos”.  Pior: “Também não dá, muitas vezes, para deixar os alunos participarem da forma como eles gostariam.”  

Se agora o tempo voa, o cenário poderá mudar. É, pelo menos, o que deixa antever Lígia Azevedo, da DGE: “Com o novo projeto de autonomia e flexibilidade curricular, as questões de educação para os media poderão ser trabalhadas de outra forma, não só na vertente da disciplina de TIC, no 7.º e 8.º anos, mas também na vertente da disciplina de Cidadania e Desenvolvimento [a ser lecionada desde o 1.º ciclo até ao 12,º ano] que é transversal e obrigatória.”

Gabriel e Maria frequentam o 7.º ano. Contactam, por isso, com ensinamentos sobre o mundo digital e informático através das aulas de TIC (Tecnologias da Informação e da Comunicação). “Aprendemos coisas básicas, como a trabalhar com o Word e com o PowerPoint, mas que também são importantes”, resume Gabriel. Com o fim do semestre, lamentam ter de ficar à espera do 8.º ano para voltar a ter a disciplina.

No próximo ano letivo, gostariam de poder aprender mais sobre os fenómenos ligados à literacia mediática. “Se as aulas tivessem temas mais interessantes, como as fake news, os sites de phishing, era bom”, sugere Maria. O que não implica que se percam de vista os ensinamentos básicos, argumenta Gabriel: “Temos colegas que têm uma destreza fantástica para jogar jogos e estar nas redes sociais, mas a quem a professora de TIC, neste período, teve de ensinar a usar as letras maiúsculas.”   

Como detetar notícias falsas?

Voltamos ao tema do encontro, organizado pelo Grupo Informal sobre Literacia para os Media. Os líderes digitais do Agrupamento de Escolas de Ílhavo prepararam uma comunicação oral para a assistência sobre as fake news. Entendidas como notícias falsas publicadas na Internet com intenção de desinformar quem as lê. E que, se não são identificadas, vão sendo partilhadas por várias redes sociais. Recebem likes, são twittadas e partilhadas infinitamente. Até que, apesar de serem ficções, um grande número de pessoas começa a acreditar nelas. Um pouco como aconteceu aos ouvintes do programa de George Orson Welles.

Imagine-se o título: “Futebol passa a ser disciplina obrigatória”. Como saber se a notícia é ou não verdade? Os líderes digitais explicam o básico sobre como detetar a falsidade. “Antes de partilhar, convém ler além do título. As notícias falsas exageram nos adjetivos e, muitas vezes, estão cheias de erros ortográficos.” Recapitulando, é preciso não cair na tentação do título apelativo. Seria ótimo, para muitos, ter uma disciplina de futebol na escola. Mas é preciso duvidar do que se lê. E ver se o texto, que surge por baixo, vai ao encontro da informação expressa no título “sensacional”.

Depois, o leitor pode fazer uma verificação rápida para saber quem é o autor da notícia. Ver se existem comentários. Logo, confirmar a fonte, o endereço do site que a publica. O site pode até parecer oficial, mas se é português o mais frequente é terminar em PT. Caso termine noutro domínio é preciso manter as suspeitas.  

Passo seguinte. Se a notícia é mesmo importante – como seria esta de obrigar os alunos a pontapear bolas, durante o tempo letivo –  há que perceber se outros meios de comunicação, como os jornais, a televisão e a rádio, também abordam o assunto. Faz-se uma rápida pesquisa online. A maioria dos órgãos de comunicação têm presença na Internet, através de sites oficiais. Ninguém está a falar na notícia? Isso seria um sinal para estar alerta. Os factos a que se refere são atuais ou antigos? Quando se verifica a veracidade de uma notícia também é preciso ter atenção às datas. Outra hipótese é pensar se poderá ser uma piada? É dia 1 de abril? Não é. Então a verdade está apurada. Ter o futebol como disciplina obrigatória é mesmo uma notícia falsa!     

segunda-feira, 22 de outubro de 2018

Não há fake news. Chamam-se mentiras.

Photo by Brian Wertheim on Unsplash


Artigo de opinião de Catarina Carvalho para o Diário de Notícias, em 21 de outubro de 2018. 

As notícias falsas já chegaram a Portugal - como hoje contamos numa investigação que encontrou um dos primeiros sites feitos para as criar e divulgar. Viram o meme do relógio caríssimo de Catarina Martins? Uma notícia falsa. A história de que a nova PGR estava num jantar em casa de José Sócrates? Idem, aspas. 

 Ambas estas histórias bebem na origem dos boatos: se não é verdade, é pelo menos bem achado. Ou seja, aproximam-se do que podia ser uma realidade e colam com um certo sentimento popular. O problema das "notícias falsas" é que parecem ser verdade para melhor mentir. No caso do relógio de Catarina Martins é assim - a história faz claramente alusão ao caso do prédio de Ricardo Robles e vai no mesmo sentido de denunciar o suposto cinismo das convicções dos dirigentes do Bloco de Esquerda. Num caso era verdade. No outro é mentira. 

O autor destas notícias falsas é um obscuro empresário têxtil que domina as redes sociais e o ambiente cibernético, mas não é ingénuo e tem convicções políticas - dizendo ao que vem logo no nome da página que criou: Direita Política. Talvez esse seja o seu único erro, desvalorizando o conteúdo ao denunciar o objetivo. Mas imaginem que não o fazia. Este é um bom, aliás, mau, prenúncio do que poderá vir por aí, em ano eleitoral, de intoxicação da opinião pública, de manipulação das vontades. À direita e à esquerda. 

Na cacofonia das redes sociais, o que podemos fazer? Pouco, muito pouco. Sabemos, no fundo, que as pessoas vão acreditar no que querem. E, como vivem cada vez mais em câmaras de eco, com toda a informação que consomem sendo selecionada por algoritmos de redes sociais que só lhes dão o que acham que vai ao fio do seu pensamento, e não ao arrepio, de convívio com pessoas que pensam o mesmo que elas, de leituras de opiniões com as quais vão concordar, é cada vez mais fácil divulgar boatos que lhes pareçam verdade. 

Há tentativas. No Brasil está a tentar-se apurar responsabilidades sobre a rede de mensagens falsas WhatsApp criada por uma série de empresários que apoiam Bolsonaro. Nos EUA, há processos contra incertos - uma vez que os autores das principais notícias falsas contra Hillary Clinton são russos e estão a milhares de quilómetros de distância. Mas ambos os processos são complexos e difíceis de chegar a bom porto. E é por isso que baixamos com tanta facilidade os braços. 

Pois podíamos começar por um ato higiénico, proponho. Chamar os bois pelos nomes. Começa no nome a falsidade das notícias falsas. É que ou são notícias, ou são falsas. Porque não há notícias falsas, há mentiras. 

"Fake news", em inglês. "Fake" tanto quer dizer falsas como falsificadas - o que é algo mais correto, mas não chega. Também não há notícias falsificadas. Ou há notícias ou falsificações. Se começássemos por aqui, a falar claro, talvez fosse mais fácil encarar o fenómeno de frente e não de cernelha. E combatê-lo. Ou, pelo menos, evitar a suavização de algo tão perigoso - porque ataca o discernimento para escolher que é a base da democracia. 

Mentiras há desde que Eva chamou maçã ao que não o era, mas as chamadas "fake news" começaram na campanha de Barack Obama, quando circularam nas redes sociais rumores de que ele não tinha nascido nos EUA. Essa tramoia foi agarrada e aperfeiçoada por Trump. Depois das eleições, ele virou o bico ao prego e lançou a culpa contra os jornais que o escrutinavam. E começou pelos números da multidão na inauguração de Trump, no Mall de Washington: os jornais diziam que eram muito menos do que o recém-empossado achava que eram. E então a Casa Branca inventou uma outra expressão: factos alternativos. O jornal americano The New York Times, um dos visados, contrapôs com uma explicação cirúrgica: "A alternativa de verdade é uma mentira." 

O jornalismo, aliás, tem uma responsabilidade acrescida nisto. A nossa profissão e negócio baseia-se em dar notícias, informações que o leitor valoriza por lhe serem úteis, ou seja, por serem verdadeiras. Não apenas a busca da verdade mas o rigor e profissionalismo desse trabalho de busca da verdade. Há uma série de regras a seguir - esta é uma profissão controlada - e entorses, pequenas falhas éticas, pouco recuo, pouca noção dos interesses em causa, notícias que não se confirmam... opinião servida como factos, opinião turvando factos - tudo isto contribui para a quebra de confiança e para o relativismo. 

Se o que lhes é fornecido como informação fidedigna for de tão pouca confiança como o que lhes é servido como falso (sem que o saibam) e, pior, tudo tiver a mesma aparência, é provável que as pessoas acreditem mais no que querem acreditar.